quarta-feira, 5 de setembro de 2007

O DESPERTAR DE UMA NOVA CONSCIÊNCIA

Por Darlete Gomes Nascimento.

Pseudônimo: Asantewaa

Licenciada Plena em Língua Portuguesa e Literaturas de Língua Portuguesa. Professora de Espanhol e Tesoureira do CNNC/BR


Inicia-se mais um dia de aula. Este momento sempre representou uma enorme alegria, pois adoro estudar. Além do mais, preciso me esforçar muito para ser, se não a melhor, pelo menos uma das melhores da turma. Assim eu serei sempre bem aceita entre os meus companheiros. E eles são tão bacanas, tão camaradas! Ontem mesmo me disseram algo que adoro escutar: “você é muito legal; uma negra de coração branco”. Como estas palavras me enchem de alegria! Demonstra que realmente sou bem aceita entre eles. Até me sinto igual a eles. Tudo bem que a cor da minha pele e meu cabelo pixaim sempre me farão diferente deles. Mas, o que importa? Meu coração é branco, o que quer dizer que estou bem próxima de ser como eles.Hoje vamos estudar história do Brasil. Ai, meu Deus! Apesar de amar esta disciplina, sempre fico muito nervosa quando estudamos história. E se for falar da escravidão? Puxa! Minha mão já está suando. Por que não consigo controlar este nervosismo? Será porque eu sinto como se todos estivessem olhando para mim? Mas vai passar logo. E, na hora do recreio, eu divido minha merenda com eles, e o assunto fica esquecido. Claro que não vai dar para todos, mas não importa. Os meus companheiros mais chegados, aqueles que sabem que minha pele é negra, mas meu coração é branco, esses sim merecem compartilhar do que eu tenho. Claro, eles conseguem enxergar além da minha cor: eles vêm o meu coração!
Hora do recreio. Bom, já não estou mais tão nervosa. A tortura já passou. É hora de eles saberem realmente o quanto meu coração é branco.
Sentamos-nos numa roda, a mesma galera de sempre. Gosto muito dos meus amigos. Comentamos sobre a aula. Bem que podíamos pular esta parte! Mas não vou dizer nada, vou participar da conversa. Afinal, sou quase como eles. Ah, não! Piada de preto de novo? Bom, como sempre, serei a que rirá com mais gosto. Não posso deixar de achar graça dessas piadas que fazem, falando dos negros. E meu colega é tão engraçado! Ele tem uma forma muito legal de contar piada. Mesmo porque, se eu não rir, serei uma estranha no meio de todos, que riem com tanto gosto. Na verdade eu não gosto da forma como minha raça é tratada nessas piadas, mas sei que é tolice minha. Eles não fazem isso por maldade: são apenas crianças se divertindo na hora do recreio. E, afinal, se meu coração é branco como eles, isto quer dizer que posso me sentir assim como eles. Isto é o que realmente importa!
Muitos anos já se passaram desde aquele tempo em que ouvir que sou “negra de coração branco” era um episódio rotineiro de minha infância.Hoje, ao recordar tais fatos, percebo o quanto se pode ser cruel com uma criança. Foi-lhe ensinado que ela pertence a uma raça inferior e que, para ser bem aceita no grupo dominante, precisava agir da forma imposta por eles. Mas percebo que meus companheiros também foram vítimas dessa atrocidade chamada racismo. Eles reproduziam falas. O maléfico ciclo se perpetuava através deles. E através de mim! Porque, na minha inocência, era assim que deveria ser. Mas não! Mil vezes não! Eu não sou uma negra de coração branco. Meu coração vive trabalhando sangue. Então ele é vermelho. Assim como o de todos os seres viventes. Não quero o coração branco que eles querem atribuir-me. Eu me recuso a permitir que apontem as minhas qualidades, especificamente as boas, como característica de sua raça. Não!

Sou negra! Pertenço ao povo criado por Deus, os primeiros seres que vieram a existir. Sou filha da África.

Transformarei em ações positivas a dor que sinto por haver sido instrumento da perpetuação dessa imposição branca. Porque eu sei que o fui. Eu também reproduzi falas. Também ensinei que o pecado é preto. Que o coração bom é “alvo mais que a neve”. Que me perdoem todos os meus antepassados! Mas que também saibam que têm, nesta orgulhosa mulher preta, uma reprodutora da beleza e da excelência da nossa negritude.

Porque, cada dia, representa um aprendizado. Não é fácil desfazer-se de ensinos fortemente enraizados. Livrar-se de dogmas não é tarefa simples. Mas há um caminho: a coragem! É preciso coragem para um olhar interior, sem que nos seja imposta a forma como deve acontecer este olhar. Eu, assim como todo o povo preto, precisamos entender que não somos fruto de algo que não deu certo. É disso que tentam convencer-nos. Precisamos de coragem para assumir nossa negritude, em sua forma mais ampla. Este é o despertar de uma nova consciência. Oxalá meus amigos de infância hajam podido amadurecer e livrar-se desta mácula chamada racismo. Para o bem deles!

Não posso voltar ao passado. O que posso, e faço, é ver neste passado uma bússola que me aponta o caminho para assumir-me como a mulher negra que um dia foi a criança torturada pela ignorância.

2 comentários:

Anônimo disse...

Sou filha de pai preto e de mãe branca. Sempre fui rejeitada por todos inclusive meus parentes. Hj estou com quase 50 anos e me sinto profundamente infeliz por até hj nunca ter ouvido um "eu te amo", nunca ganhei um presente no dia dos namorados, nem no dia das mães,Não tive meu sonhado filho, nem minha família. Pedi a Deus que apressasse minha morte, mas nem isso foi concedido, então mudei minha petição:
HJ só peço a Deus que me ajude a obedecer SUA vontade para minha vida, peço perdão por pensar besteiras e não pensar somente em agradar ao MEU DEUS.
Tenho pressa em cumprir meu trabalho aqui na obra de Deus, logo minhas forças vão definhar.
Não sei isso tem alguma coisa a ver com minha cor, meu nariz de batata, meu cabelo crespo e desgrenhado.

Anônimo disse...

Só agora percebo como havia preconceito contra os pretos na minha época de estudante, meu professor de História sempre fazia piadas de mal gosto quando o assunto era a escravidão. Eu sempre ficava receoso de ser alvo de tais piadas. Ele chegou a falar para um aluno que ele tinha que se casar com uma branca para clarear a raça; isso tudo aconteceu há batante tempo, mas pelo que vejo aqui ainda não mudou quase nada.
Como pode existir esse cancer chamado racismo dentro das igrejas, pessoas que falam do amor de Deus, e tem atitudes com essa.

PRETAS POESIAS

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