quarta-feira, 15 de abril de 2009

A TRIBO DE DAN – O CULTO A SERPENTE E SUA DIFUSÃO NA ÁFRICA E NA AFRO-AMÉRICA


Por Walter Passos, historiador, teólogo e membro da COPATZION (Comunidade Pan-Africanista de Tzion). Pseudônimo: Kefing Foluke. E-mail: walterpassos21@yahoo.com.br



INTRODUÇÃO
Para entender os povos afro-diásporicos, as suas origens históricas e mitologias, é necessário perfazer caminhos ainda não percorridos pela historiografia afrocentrada. Compreender as nossas formações tem sido cientificamente prazeroso, mas necessitamos avançar e compartilhar conhecimentos, e ao mesmo tempo desenraizar as informações ocidentais que mascaram e embranquecem a história da humanidade. A escassez de registros escritos dos antepassados escravizados com as tradições sofrendo constantes transformações, o não desenvolvimento de novos griots, a falta de respeito à oralidade nas relações de aprendizado, a quebra da manutenção das tradições familiares e religiosas, são fatores que precisam ser revistos imediatamente. Muito se tem de escondido e modificado nas formações do nosso povo e chegou o momento de recolhermos através da oralidade, da documentação, da arqueologia, da lingüística e de outras ciências a verdade escondida.
Na África vem ocorrendo transformações através do islamismo, a colonização, a escravidão, perdas territoriais, migrações forçadas, cristianização e a atualmente a globalização. Isto vem afetando as tradições orais, destruindo os sítios históricos o leva à perda identitária ou adaptações e junções de civilizações outrora díspares, aumentando os conflitos étnicos pela necessidade de pertencimento e afirmação da ancestralidade.
Recordo os momentos de criança em que a minha mãe contava fatos ocorridos na sua infância e ensinava-me sobre as suas vivências no bairro de São Caetano em Salvador-Bahia.
Eu sempre gostava de molhar as plantas do jardim. Creio que foi o “trabalho” mais gostoso da minha vida, poder observar os diversos tipos de roseiras, antúrios, avencas, margaridas e diversas outras plantas. Um dia, creio ter 08 anos de idade, eu chamei a minha mãe. Na verdade, gritei com medo, porque havia uma bela cobra entre as plantas; minha mãe veio correndo e ficou deveras assustada com a presença do ofídio e diversos vizinhos vieram “cuidar” do animal da forma mais brutalizada possível. Ela, após o susto, contou-me que na sua infância uma mulher da nossa família constantemente entrava em transe e se arrastava igual à cobra e isso a deixava bastante assustada, fato esse que ocorria na residência dos seus familiares. Minha mãe não gostava de cobras e nem de vê-las na televisão ou em revistas.
O fascínio, o medo, a curiosidade sobre a cobra vem dos primórdios da humanidade e praticamente faz parte da mitologia de todas as civilizações por causa do poder regenerativo de suas escamas, o que fez com que esta se tornar-se símbolo de adoração entre muitos povos.
O papel da serpente foi destaque na cultura egípcia. A serpente simboliza o começo e o fim dos tempos e a fertilidade. No antigo Khemet (Egito), como em muitas culturas, a ouroborus, uma serpente engolia a sua cauda, sendo um símbolo de rejuvenescimento e de eternidade, um interminável ciclo de inícios e terminações. A serpente representava tanto o bom e o ruim: a vida a energia, a ressurreição, sabedoria poder, astúcia, morte, escuridão, maldade, e corrupção.
Talvez o mais poderoso símbolo de Khemet fosse o uraeus, representada pelo Faraó como um emblema dourado na testa como uma espécie de coroa, que era o símbolo da suprema realeza e do poder.

Era retratada no uraeus uma Cobra, uma ardente serpente que cuspia fogo nos inimigos do Faraó. As Serpentes na parte lateral do uraeus representam as deusas, que expulsaram os inimigos de Rá, deus do sol. O uraeus também possuía poderes mágicos e os egípcios acreditavam ser o olho mágico do deus Horus. Também usava o uraeus a poderosa deusa Isis, esposa do deus Osíris.


O olho de Horus, incorporando Nekhbet a deusa abutre (esquerda) e Wadjet a Cobra a deusa da direita.

Sempre fui um leitor dos escritos sagrados e relatos da serpente se encontram dos Gênesis ao livro das Revelações, inclusive com o poder da comunicação, da fala, da exposição de idéias, da provocação à mulher no Jardim do Éden que pode com a sua sensibilidade e inteligência questionar o seu companheiro sobre a árvore e seu fruto proibitivo, e os dois, homen e mulher resolveram em conjunto seguir os conselhos da serpente e desobedecer ao Eterno.

A SERPENTE NA BÍBLIA
Têm sido encontradas umas trinta espécies de serpentes na Palestina, muitas das quais são altamente venenosas. Pela primeira vez é a serpente mencionada em Gn 3.1,13, onde se diz ser ela o mais sagaz de todos os animais selvagens. As perigosas propriedades da serpente acham-se mencionadas no Sl 58.4: ‘Têm peçonha semelhante à peçonha da serpente’, e também em Dt 32.24 e Pv 23. 32. Parece, em algumas passagens, afirmar-se que o veneno reside na língua (Jo 20.16 - Sl 140.3), em vez de ser atribuído à mordedura, como corretamente se acha indicado em Nm 21.9 e Pv 23.32. Ao hábito que têm as serpentes de se ocultarem, refere-se o livro do Eclesiastes (10.8), e o do profeta Amós (5.19). A maneira particular do seu caminhar é considerada como maravilhosa em Pv 30.19. Em Is 59.5, a expressão ‘chocam ovos de áspide’ mostra que era bem conhecido o fato de serem as serpentes animais ovíparos (cp. com 34.15). E ao ato de se domesticarem e serem encantadas as serpentes há referências em Sl 58.5, Ec 10.11, e Jr 8.17. Yahosua uma vez aludiu à prudência tradicional da serpente (Mt 10.16).
Aos nove anos minha saudosa mãe pediu-me para ir à casa de uma irmã preta para dar um recado e chegando lá, notei diversos livros que foram jogados no lixo em frente à casa e entre eles, um de Artur Ramos da década de 30, o qual guardo até hoje, e folheando as suas páginas com o passar dos anos tive o meu primeiro contato com a cobra sagrada dos fons e ewes: Dan.
Neste momento os meus olhos se abriram para o relato do livro de Gênesis e a história dos 12 filhos Jacó (Israel), entre eles um chamado Dan, filho de Bila:
E ela disse: Eis aqui minha serva Bila; coabita com ela, para que dê à luz sobre meus joelhos, e eu assim receba filhos por ela.
Assim lhe deu a Bila, sua serva, por mulher; e Jacó a possuiu.
E concebeu Bila, e deu a Jacó um filho.

"Então disse Raquel: Julgou-me Deus, e também ouviu a minha voz, e me deu um filho; por isso chamou-lhe Dä." Gênesis 30- 3-6
Um costume dos hebreus era as benções destinadas aos filhos e Israel abençoou os 12 filhos cada uma com a sua especificidade. A benção recebida por Dã proferida pelo seu pai Israel:
Dã julgará o seu povo, como uma das tribos de Israel.
Dã será serpente junto ao caminho, uma víbora junto à vereda, que morde os calcanhares do cavalo, de modo que caia o seu cavaleiro para trás.
A tua salvação tenho esperado, ó Senhor!
Gênesis 49: 16 -18
Vemos no texto acima que Dan é relacionado com a serpente, inclusive na religião chamada Judaísmo, que não existe nos escritos bíblicos e é uma criação dos askenazis e sefardins, o símbolo da tribo de Dan está relacionado com a serpente:

Símbolo da tribo de Dan usada pelo judaísmo

"Quando o povo hebreu peregrinava pelo deserto após a saída da escravidão em Khemet, desconsiderou o amor e a dedicação de Yah:
Então partiram [os hebreus] do monte Hor, pelo caminho do Mar Vermelho, a rodear a terra de Edom; porém a alma do povo angustiou-se naquele caminho. E o povo falou contra Iavé e contra Moisés: Por que nos fizestes subir do Egito para que morrêssemos neste deserto? Pois aqui nem pão nem água há; e a nossa alma tem fastio deste pão tão vil. Então o Senhor mandou entre o povo serpentes ardentes, que mordiam o povo; e morreu muita gente em Israel. Por isso o povo veio a Moisés, e disse: Havemos pecado porquanto temos falado contra o Senhor e contra ti; ora ao Senhor que tire de nós estas serpentes. Então Moisés orou pelo povo. E disse o Senhor a Moisés: Faze-te uma serpente ardente, e põe-na sobre uma haste; e será que viverá todo o que, tendo sido mordido, olhar para ela. “E Moisés fez uma serpente de metal, e pô-la sobre uma haste; e sucedia que, mordendo alguma serpente a alguém, quando esse olhava para a serpente de metal, vivia.”
Num 21:4-9

DAHOMÉ



O antigo Dahomé atualmente é o Benin localizado na África Ocidental, um dos países que teve a maioria da sua população seqüestrada e escravizada para as Américas, trazendo o culto dos Vodunsis ao Brasil, República Dominicana, Porto Rico, Cuba, Estados Unidos e no Haiti tornando-se um dos símbolos nacionais: o culto Vodu.
A palavra DAHOMÉ, tem dois significados: Um está relacionado com certo Rei Ramilé que se transformava em serpente e morreu na terra de Dan. Daí ficou "Dan Imé" ou "Dahomé", ou seja: aquele que morreu na Terra da Serpente. Segundo as pesquisas, o trono desse rei era sustentado por serpentes de cobre cujas cabeças formavam os pés que iam até a terra. Esse seria um dos significados encontrados: Dan = "serpente sagrada" e Homé = "a terra de Dan", ou seja, Dahomé = "a terra da serpente sagrada".
Dahomé tem uma belíssima história de resistência ao invasor francês com as suas mulheres guerreiras, você pode saber mais acessando o artigo:
AS GUERRREIRAS DO DAOMÉ- A RESISTÊNCIA DA MULHER AFRICANA CONTRA O INVASOR FRANCÊS



DÃ A SERPENTE
Diversas civilizações africanas cultuam a serpente e o culto foi trazido pelos escravizados para as Américas. As mais importantes influências e reelaborações de fé encontram-se entre os descendentes que vieram do Golfo de Benin: os Ewe, Gen, Aja e Fon, que no Brasil são conhecidos como Jejes, e tem como uma das principais divindades a Serpente Real Píton (Dangbê) relacionada também ao arco-íris que é cultuada na cidade de Ouidah.


O culto a Dan é oriundo de Khemet (Egito). Os faraós usavam seus anéis e coroas com figuras de serpente que dentro da cosmogonia possuíam importância fundamental. O culto veio do Egito até Dahomé.
A palavra JEJE vem do yorubá adjeje que significa estrangeiro, forasteiro. Não existe e nunca existiu nenhuma nação Jeje, em termos políticos no continente africano. A denominação de “nação Jeje” no candomblé no Brasil, especialmente na Bahia e no Maranhão foi à junção dos povos vindos da região de Dahomé, que se autodenominavam mahins da região leste e Saluvá ou Savalu da região sul. Jeje era o nome dado de forma pejorativa pelos yorubá.
De acordo com a cosmogonia Ewe a criação do mundo se deu com Mawu-Lisa, e ajudado pela serpente Dã que possui o movimento, a força, o eterno rejuvenescimento. Ela agiu como um instrumento de Mawu-Lisa e auxiliar no processo de ordenação do mundo como se segue: em primeiro lugar, o mundo se reuniu pela Serpente, e os locais das águas foram determinados. Em segundo lugar, as duas metades do universo foram soldadas. A serpente organizou, colocou em ordem, mantendo o princípio do universo e manutenção do poder. Após criarem o universo, os animais e as florestas, criaram o ser humano da argila e da água. Para os Ewe princípio feminino de vida é Lisa e o princípio masculino da morte é Mawu.


Templo da Píton em Benin

Os fons já possuem uma tradição que Nana Buluki foi à mãe de Mawu-Lisa, sendo Mawu o princípio feminino e Lisa o masculino. O filho de Mawu-Lisa, Dã a serpente cósmica, ajuda na ordenação do universo, possuindo rolos acima da terra, e o mesmo número abaixo. Juntas, estas bobinas apoiaram Mawu-Lisa na criação. Mawu é associado com a lua, noite, fecundidade, maternidade, doçura, perdão, descanso e alegria, quando Lisa está identificada com o sol, dia, calor, trabalho, poder, guerra, força e raciocínio. A cosmologia Fon tem a Terra flutuando na água, enquanto que acima do círculo celestial os corpos estão na superfície interna de uma cabaça. Outros vodus são atribuídos o governo de outras partes do mundo: o céu está sob a égide da Heyvoso, a terra, o domínio do Sakpata, o mar e as águas são o reino da Agbe-naete.
O povo hebreu no deserto após ter sido atacado por serpentes venenosas obteve a cura ao encarar a serpente de bronze, perdendo o medo, e este fez com O culto à serpente perdurar 700 anos na sociedade dos hebreus, sendo veementemente combatida pelo rei Ezequias:
"Removeu os altos, quebrou as colunas e deitou abaixo o poste-ídolo; e fez em pedaços a serpente de bronze que Moisés fizera, porque até àquele dia os filhos de Israel lhe queimavam incenso e lhe chamavam Neustã." 2 Reis 18:4
Não significando que tenha se extinguido após aquela época, porque estava na lembrança do evangelista João que fala da serpente fazendo uma analogia do Messias que veio para curar o povo de Ysrayl.
E, como Moisés levantou a serpente no deserto, assim importa que o Filho do homem seja levantado; Para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna. João 3:14-15.
A palavra NEUSTÃ é uma combinação de palavras do hebraico para a serpente e bronze, sendo assim, os hebreus representavam uma serpente de bronze e a cultuavam. Diversas populações africanas da costa ocidental e na Afro - América ainda mantém em seus ritos semelhanças nos escritos hebraicos nos dão pistas plausíveis para traçarmos os caminhos da diáspora dos hebreus em direção à África Ocidental nos tempos de Moisés e pós-Moisés, após o cativeiro assírio e babilônico; e de mais de um milhão de hebreus que retornaram ao continente africano após os anos 70 depois do nascimento de Yahoshua, fugindo da fúria do império romano. Algumas etnias africanas se dizem descendentes dos danitas, nisso observamos os hebreus da Etiópia e os hebreus lemba na região sul africana.
Os mais sérios estudos da África Ocidental têm comprovado a origem hebraica dessas civilizações, inclusive com relatos dos griots e a prática ainda vigente da guarda do sábado e a circuncisão.
O culto a Neustã entre os hebreus, provavelmente começou em 1.200 a.C e já se passaram mais de 3.000 anos. O culto a serpente Dan na África e na Afro - América, o nome de um filho de Ysrayl, Dan, que é relacionado à cobra, é mera coincidência?

PRETAS POESIAS

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