quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

FLORISVALDO E A FESTA DE NATAL



 








Walter Passos - Historiador
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Seu Florisvaldo andava com o coração sentido. Na Igreja, a sua filha caçula e predileta havia pedido para participar da peça de Natal:

- Tia, eu quero ser anjinho!

A tia - professora das crianças, uma mulher da cor de ébano, uma preta turututu – disse, com a voz de censura:

- Queridinha, você já viu anjinho preto?

A menina respondeu cabisbaixa:

- Tia, nunca vi.  E saiu chorando.

Esse fato deixou seu Florisvaldo muito aborrecido e ele resolveu não participar do culto natalino. Foi a primeira vez que o seu sousafone ficaria mudo na Cantata Natalina. Ele sabia do racismo na Igreja e reagiu dessa forma, até o dia que explodiu. Essa é outra história.

- Era muito fundamento! Assim dizia a esposa de seu Florisvaldo, Da. Gracinha, no preparo da festa natalina. 

A casa ficava bem arrumada com galhos de pitanga, sorriso de maria e bananinha.

 
Um presépio bem enfeitado e uma grande árvore de natal com pisca-pisca complementavam a decoração do lar.

Era uma troca de cartões com a vizinhança, os pais, irmãs e irmãos e “demais parentes”. Ninguém podia ficar de fora. As livrarias e os camelôs vendiam muito, a fila do Correios ficava imensa, até as crianças de seu Florisvaldo e Da. Gracinha pediram cartões para os coleguinhas.

As crianças ficavam em polvorosa, sabiam que quando acordassem no dia 25 de dezembro, iam encontrar os presentes dados por Papai Noel. E ainda colocavam os sapatinhos na janela. Mas, seu Florisvaldo, não aprovava esse procedimento. Dizia com muita galhardia:

- Não tem essa história de Papai Noel. Quem dá duro sou eu, pareço um burro de carga. Eu que compro os presentes dos meus filhos e não acredito em Papai Noel.

Da. Gracinha retrucava:

- Flor, deixa os meninos sonharem, no nosso tempo foi assim!

Seu Florisvaldo permitia que os presentes ficassem nos sapatinhos, mas na primeira oportunidade lhes contava a verdade, ele não era homem de meia conversa e conformes.

Os meninos ganharam carrinhos de rolimã, feitos por seu Florisvaldo, que tinha noção de carpintaria. Iriam se esbaldar nas ladeiras. Da. Gracinha teria que fazer curativos nos joelhos e braços, com mercúrio e merthiolate (ardia muito).

As crianças, choramingando após se ralarem, perguntavam as suas mães:

- Mainha, vai arder?

Elas respondiam:

- Se arder, eu sopro.
 
Usava-se pó antisséptico para secar rápido as feridas e criar logo o cascão.

As meninas não receberam as bonecas brancas que eram compradas nas lojas da Avenida Sete e Baixa dos Sapateiros. Naquele natal, ganharam de presente bonecas de panos, bonecas pretas. Essa mudança radical nos presentes das meninas teve um motivo: a resposta do Seu Florisvaldo ao problema da igreja. Disse ele:

- Essas bonecas são lindas, parecem com vocês e com os anjinhos do céu.
As crianças com roupas novas, ostentando os brinquedos dados pelo Papai Noel, sorriam felizes. Natal é época de presentes e de alegria.

As crianças sonhavam com o frio e como ficariam branquinhas como a neve. As festas brancas levam às viagens de negação identitária, que podem marcar as vidas e formar futuros adultos de “almas brancas”.

A ceia do natal era um dos melhores momentos para as crianças, pois saboreavam fatia de parida (rabanada), bolos, biscoitos natalinos, queijo de cuia, avelãs, nozes, castanha do pará, panetone, guaraná da fratelivita, refrigerante de pêra, crush, grapette e outras guloseimas. Nos dias não festivos era usado ki-suco. Na casa de Seu Florisvaldo não se bebia fubuia.


Após olharem os presentes, hora de arrumar as crianças e enfrentar o buzu, caminho para casa dos pais de Seu Florisvaldo. Em nenhum momento, ele aceitava ir à casa dos sogros almoçar no Natal. Passava lá no crepúsculo. Uma visitinha rápida. Da. Gracinha ficava triste, mas, nada comentava. 

Quando encontrava os familiares era uma bacafuzarda. Entrega de presentes, troca de cartões e, como de costume, o samba natalino e o jogo de dominó. 

O Natal para Seu Florisvaldo era uma festa de família. Mas, estava com o coração triste. Não havia superado a humilhação que sofrera a sua menina.




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