terça-feira, 6 de novembro de 2007

JOÃO CÂNDIDO O METODISTA


Por Walter Passos. Teólogo, Historiador, Pan-africanista, Afrocentrista e Presidente CNNC – Conselho Nacional de Negras e Negros Cristãos. Pseudônimo: Kefing Foluke. E-mail: kefingfoluke@hotmail.com


"As vozes murmuram nos ouvidos como se ainda estivéssemos com medo nas senzalas e não falamos em sons altos iguais aos tambores africanos, e mais um aniversário da Revolta da Chibata se completará, e o povo preto evangélico desse país está calado. As pretas e pretos deve repudiar as senzalas, não acreditar nas mentiras da Casa Grande e tomar atitudes quilombolas em busca da própria dignidade. Os brancos metodistas tentam esconder que João Cândido foi membro dessa denominação."

É inaceitável como às lideranças brancas evangélicas brasileiras dominantes nas igrejas, direcionam e ensinam o que a população preta nas igrejas protestantes deve ter como referência na história brasileira, colocando os heróis e heroínas pretas no esquecimento, negando as suas participações na história da igreja, pensando que não temos consciência histórica, nos tratando como se fossemos desprovidos de inteligência. Na verdade ainda não dominamos como deveríamos as cátedras das faculdades de teologia, não escrevemos os artigos das grandes revistas evangélicas, não opinamos na educação bíblica dominical e os pretos que estão perto do poder recebem migalhas e se dizem satisfeitos e nada farão pela maioria da população preta. Não temos liderança preta evangélica ou de outras religões. Não conheço nenhum preto ou preta que possa convocar 10% da população preta para uma caminhada, como fez o líder muçulmano Louis Farrakan nos USA que convocou 1 milhão de homens negros para marchar sobre Washigthon, em 16 de outubro de 1995. Especialistas da Universidade de Boston afirmam que o número de pessoas na Marcha de 1 Milhão de Homens foi de 870 mil pessoas, com margem de erro de 25% (de 655 mil a 1,1 milhão). Sendo assim, ainda estamos muito longe de unificar o nosso povo preto e entendermos as nossas dificuldades e deixarmos a ilusão de sermos estrelas e lideranças sem povo.
Conforme o último censo somos 15 milhões de pretas e pretos evangélicos, então 1% são 150 mil pessoas pretas que podem participar de uma caminhada, infelizmente, ainda não temos essa mobilização e nenhuma religião tem de tal amplitude, os evangélicos pretos organizados tomarão essa dianteria. Somos milhões amordaçados e com os olhos vendados. Em igrejas que possuem uma concepção mais aberta para as questões sociais, como é o caso da Igreja Metodista do Brasil a qual possui um grande ícone da luta contra a discriminação racial como o reverendo Sant Anna, e referenciais como a pastora Maria da Fé – Fezinha -, a Pastora Laiza, a irmã Diná, o antropólogo Rolf, entre tantos outros. Têm pastorais para atuarem contra a discriminação racial, as lutas são de muitas dificuldades e conforme o prof. metodista José Carlos Barbosa: A Igreja Metodista é a única denominação protestante que tem uma Pastoral de Combate ao Racismo,que, por outro lado, não tem apoio nem recursos humanos e financeiros para o seu funcionamento. É só para inglês ver.
Há alguns anos tenho conversado com o Sant`Anna e insistido sobre o reconhecimento de um dos maiores heróis pretos da história que foi o marinheiro João Cândido, e ainda não sei se somente a luta do Reverendo Antonio Sant Anna dentro do metodismo fará os metodistas reconhecer seriamente a importância desse homem preto que lutou pela dignidade dos marinheiros pretos e no final de sua dura vida morreu como um metodista. Está na hora de escrevermos e-mails para os bispos e bispas brancas metodistas cobrando o reconhecimento de João Cândido. As vozes murmuram nos ouvidos como se ainda estivéssemos com medo nas senzalas e não falamos em sons altos iguais aos tambores africanos, e mais um aniversário da Revolta da Chibata se completará, e o povo preto evangélico desse país está calado. As pretas e pretos deve repudiar as senzalas, não acreditar nas mentiras da Casa Grande e tomar atitudes quilombolas em busca da própria dignidade. Os brancos metodistas tentam esconder que João Cândido foi membro dessa denominação.
Vamos conhecer um pouco dessa história:
João Cândido Felisberto nasceu no município de Rio Grande no estado do Rio Grande do Sul, filho de João Cândido Velho e dona Inácia Felisberto, sendo seus pais ex-escravizados. Entra aos 14 anos de idade na escola de aprendizes de marinheiros no Rio Grande do Sul, conduzido pelo poderoso Almirante Alexandrino de Alencar, também gaúcho. Em 1895, com 15 de anos de idade, tornou-se marujo e no Rio de Janeiro embarcou no Cruzador Andrada. É transferido para o encouraçado Riachuelo e conheceu Montevidéu, Buenos Aires, e no pequeno navio Jutay visitou Belém e Manaus, quando em direção ao Acre em 1909 esteve em New Castle, na Inglaterra, se aprimorando nos conhecimentos do navio Minas Gerais. Aos 30 anos de idade em 22/11/1910 liderou 2 mil homens pretos na maior revolta armada em poder do fogo da história brasileira. O Brasil na época era possuidor dos mais poderosos navios de guerra, comprados na Inglaterra. Os oficiais eram oriundos das camadas poderosas da sociedade brasileira, filhos de cafeicultores, profissionais liberais, políticos. Os marinheiros eram meninos pretos, presos pela polícia nas ruas de diversas cidades brasileiras, habitantes dos quilombos urbanos.
Vai se reproduzir dentro dos navios uma relação antagônica entre o descendente do senhor colonial X descendente do escravizado. Feridas que até hoje não foram cicatrizadas na sociedade brasileira e estavam muitas abertas. Havia passado somente 22 anos da abolição da escravatura. É provável que alguns marinheiros tenham sido escravizados.
Homem com pouca alfabetização, mas muita criatividade e vivacidade, não tinham uma falangeta do dedo indicador na mão direita em virtude de uma computação traumática ao carregar um canhão. Esse peso do canhão contribuiu para que sua letra fosse defeituosa. Foi o primeiro marinheiro do mundo a comandar uma esquadra, com uniforme branco de praça, apenas com distintivo, um lenço de seda vermelho ao pescoço, um apito e uma velha espada de abordagem. Após a revolta, João Cândido, foi preso, internado, julgado e libertado aos 32 anos de idade, tuberculoso, totalmente desprovido de qualquer bem, foi lutar para ganhar o pão de cada dia, tendo uma vida dura e nunca alheia aos movimentos que ocorriam no Brasil, teve 03 esposas e diversos filhos. João Cândido, depois de Zumbi dos Palmares foi um dos mais importantes pretos na história de resistência do nosso povo no Brasil. Foi um homem de extrema sensibilidade e fé, um servo de Yeshua o aceitando como Salvador pessoal na Igreja Metodista de Jardim América-RJ e por causa da doença e idade freqüentava a Igreja Metodista de São João de Meriti-RJ. Vindo a falecer no dia 06 de novembro de 1969 na cidade do Rio de Janeiro, com o ofício fúnebre sendo realizado pelo Reverendo Metodista Lucas Mazon.

Um comentário:

Dayse Gomis disse...

Saudações irmão Valter,

Muito importante sua colocação!
Eu desconhecia!Que triste!
Lembro apenas uma vez em que li um jornal que roda em todas as Igrejas Metodista a matéria é do ano de 2004 com a foto do João Cândido, entre outras fotos de pessoas que contribuiram na luta contra o racismo, na Edição o Rolf fez essa postagem.Foi em epoca de novembro.

4P sempre!

Dayse

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