Por Walter Passos. Teólogo, Historiador, Pan-africanista, Afrocentrista e Presidente CNNC – Conselho Nacional de Negras e Negros Cristãos. Pseudônimo: Kefing Foluke. E-mail: kefingfoluke@hotmail.com
A princípio, recebo diversos e-mails de militantes negros (as) questionando o porquê do uso da palavra preto e não negro, recomendo a leitura do artigo da minha autoria:
Clique Aqui --> NEGRO OU PRETO: COMO SE DECLARAR O AFRICANO NO BRASIL
Na minha infância fui membro da Igreja Presbiteriana de Queimados-RJ e na adolescência e início da juventude da Igreja Presbiteriana do bairro da Piedade na cidade do RJ. Nas sextas-feira-santa a minha família agia diferentemente de todas as famílias presbiterianas, sendo meus pais baianos, esse dia apresentava uma sacralidade diferente da visão reformada calvinista, porque a minha mãe, também presbiteriana, mantinha a tradição dos antepassados como se fosse um ritual a preparação de comidas baianas: moqueca de peixe com bastante leite de coco, caruru, vatapá, feijão com leite de coco, arroz com leite de coco, muita pimenta, etc. um cheiro forte de azeite de dendê pela casa, quiabos sendo cortados, cocos ralados, e aquele trabalhão de ver minha mãe mexendo o vatapá, no sentido horário pra não embolar e só uma pessoa mexendo, tudo um respeito simbólico pela data. Durante minha infância não se ligava o rádio, não se falava alto, não podia falar palavrão e nem apanhar, isso pra mim era uma felicidade, comer bastantes comidas gostosas e não tomar uns catilipapos de minha mãe, porque sempre eu estava aprontando e recebendo as “admoestações necessárias”, mas, no sábado de aleluia, dia da malhação de Judas, eu não podia vacilar. Só não gostava do silêncio imposto dentro da casa, mas passávamos o dia todo ouvindo de minha mãe histórias sobre a Paixão de Cristo, do seu sofrimento e das lágrimas e dor de Maria, porque no linguajar simples e sábio dela:
- “Maria sofreu muito ao ver o filho que saiu de suas entranhas ser crucificado”.
Minha mãe era muito religiosa, sempre orava diversas vezes ao dia e sempre pedia a Deus que me livrasse do mal. Um dia ela me contou que Deus também tinha o nome de Nzambi e meu pai, ao ouvir, disse que ELE também se chamava Olorum e até hoje respeito esses nomes africanos de Deus. Hoje eu entendo essas diferenças lingüísticas e o motivo dos dois ensinamentos.
Nesse ínterim de todos os anos, apesar de viver no Rio de Janeiro, conheci grande variedades de comidas baianas, porque todas eram feitas dentro da minha casa, seja o abará, acarajé, bolinho de estudante, peixe assado na bananeira, efó, acaçá e outros. Verdadeiros rituais alimentares, essa preocupação da minha mãe de viver fora da Bahia e manter a tradição ancestral, foi de suma importância na minha concepção africana hoje, de continuar a tradição familiar na "sexta-feira santa", vivendo na Bahia de reunir-me com a minha família e saborearmos as deliciosas comidas cheias de dendê, leite de coco, gengibre, camarão, amendoim, castanha, pimenta, etc.
E milhares de famílias de pretos evangélicos estão deixando a tradição alimentar ancestral de reuniões familiares na diáspora na sexta-feira chamada santa, por discordarem do catolicismo e das alimentações de origem africana.
"Sexta-feira santa" sem vatapá, caruru, moqueca de peixe com leite de coco, moqueca de ovos com leite de coco e outras iguarias vindas dos nossos ancestrais pretos, não é "sexta-feira santa". Eu vou continuar mantendo a tradição da reunião familiar e comer o gostoso vatapá feito pela minha filha Aidan.
O "ACARAJÉ DE JESUS" E O "ACARAJÉ DO DEMÔNIO"
Sempre quando há reunião do CNNC /BA no final os jovens gostam de comer acarajé pertinho aqui de casa, e comem o acarajé de Jesus, porque a pessoa que vende se converteu a pouco em uma igreja evangélica, anteriormente antes da conversão eles comiam do mesmo acarajé. Na verdade pelo que eu sei os jovens do CNNC/BA comem qualquer um, como dizem:
- O gostoso é comer acarajé, preferivelmente de irmãs pretas, para que o dinheiro circule na nossa comunidade.
Há acarajé conforme muitos membros pretos de igrejas evangélicas que é o “acarajé do diabo”, quer dizer de pessoas que freqüentam o candomblé. Eu como qualquer acarajé, não quero saber a origem a religiosa, sendo assim, como saber se a padaria é de Jesus? O mercado é de Jesus? O açougue é de Jesus? O remédio é de Jesus? Por que ninguém recusa a vender para quem não é de Jesus? Quando vamos ao médico perguntamos a religião do médico (a) antes da consulta médica? Ou quando pegamos um táxi? Ou compramos um carro? Você se retira da faculdade porque o professor é evangélico ou de candomblé? Deixa de considerar os seus pais, avós, irmãos, filhos e filhas porque seguem religiões diferentes? Pura hipocrisia de pessoas que tentam se tornar donas e donos das divindades. Yeshua não deve ser citado nesses atos discriminatórios. Vejo ai uma maneira muito direta de atacar as origens ancestrais alimentares do povo preto.
A tradição africana na Bahia tem uma nova adaptação para aumento de renda de irmãs e irmãos pretos evangélicos, o que foi considerado por algumas baianas de acarajé até mesmo uma luta econômica bem articulada para a quebradeira das baianas. Há igrejas da Assembléia de Deus que existem vendedoras de “acarajé de Jesus” em frente aos templos, fato este também encontrado em frente da Igreja Universal na Liberdade-Salvador-Bahia, e na chamada Catedral da Fé da Universal do Reino de Deus em Salvador-Ba, que tem cinco andares e reúne milhares de membros em diversas reuniões.
Diariamente a venda do “acarajé de Jesus” foi pesquisada por Roberto Kaz com o tema: Relatos de uma guerra Baianas no candomblé insistem que Jesus não comia acarajé
"Em frente à Catedral da Fé, ninguém acha que o quitute feito por Tânia tenha parte com o demo. Um dia, durante uma pregação, um bispo da Universal anunciou que nunca tinha comido acarajé, e que ficaria feliz se algum fiel o presenteasse com um bolinho. Foi a senha para que o acarajé saísse do index proibitorum e caísse definitivamente nas graças do mundo evangélico.
“E no largo da Amaralina, o ponto de acarajé mais antigo de Salvador, uma evangélica chamada Josélice — que só aceita dar entrevista mediante pagamento — trabalha com a Bíblia aberta sobre o tabuleiro.”
Miraci é uma baiana que nunca esteve na ilegalidade. Trabalha há quinze anos no Pelourinho, último reduto do acarajé tradicional: “Se nós entramos com a nossa roupa e esses colares num templo evangélico, eles nos expulsam. Então, também não deixamos baiana evangélica entrar no Pelourinho. Quando vejo um tabuleiro com letreiro escrito ‘acarajé de Jesus’, pergunto à baiana se ela por acaso já viu Jesus comer acarajé. Quem é que já leu na Bíblia que em tal ano Jesus comeu acarajé? Jesus come é pão. Não sou contra Jesus — Ele é o Todo-Poderoso —, mas se os evangélicos dizem que o acarajé deles está com Jesus, é porque, na lógica, o nosso só pode estar com o demônio”.
“Ao meio-dia, termina o segundo culto. Homens, mulheres e crianças, que vieram de longe com suas melhores roupas, fazem fila diante do tabuleiro de Tânia. Rosany Amorim de Araújo é uma delas. Formada em antropologia pela Universidade Federal da Bahia, veste um uniforme em que se lê: “Exército de Cristo em Ação — Grupo de Evangelização”. Ela só come acarajé de Jesus, e usa seus conhecimentos antropológicos para reconhecer uma baiana evangélica: “Procuro sempre pelos adesivos de Cristo no tabuleiro”. Ângela Maria Santos Silva é outra freguesa. Diz que não come acarajé de fora “porque pode estar amaldiçoado”. Explica: “Tem acarajé pro mal e pro bem. O gosto não muda, mas o fato de Deus faz diferença”. “E pode fazer mesmo. Euflazio Bispodos Santos é um senhor de bengala. Está convencido de que passa mal da barriga quando come acarajé de rua. Quando come o de Deus, não. Já tendo certa idade, prefere ser cauteloso. Só come acarajé de Jesus. E dane-se se for ilegal”
Leia todo o artigo:
http://www.revistapiaui.com.br/artigo.aspx?id=354&anterior=102006&unica=1&anteriores=1
Raul Lody e Elizabeth de Castro Mendonça foram os antropólogos que realizaram a pesquisa que consistiu na realização de entrevistas; levantamento bibliográfico; registros audiovisuais e, dentre outras coisas, visita a pontos característicos de baianas do acarajé na cidade de Salvador tais como Bonfim, Pelourinho, Barra, Ondina, Rio Vermelho e Piatã. Brotas também foi um dos bairros visitados devido à presença de um “baiano de tabuleiro”, evangélico.
As baianas sofrem, cada vez mais, com a concorrência da venda do acarajé no comércio de bares, supermercados e restaurantes baseados, inclusive, no marketing do bolinho de acarajé como fast food. Essa apropriação do acarajé contraria o seu universo cultural original e a sua venda como “bolinho de Jesus” pelos adeptos de religiões evangélicas – que postam Bíblias em seus tabuleiros - tem causado polêmica.
“Se você tem uma religião que é contrária ao candomblé, por que vender acarajé e não qualquer outro quitute?” indaga Dona Dica diante do seu tabuleiro no Largo Quincas Berro D’Água, no Pelourinho, ressaltando que o acarajé, para a maioria das baianas de tabuleiro, filhas-de-santo, é indissociável do candomblé. Essa indistinção não deixa de ser, também, uma estratégia de diferenciação de seus produtos, num contexto de concorrência cada mais acirrada que é Salvador, uma cidade que atrai muitos turistas por ser considerada como o locus de africanismos no Brasil, a partir dos quais uma inegável comercialização da cultura negra tem se constituído.
As baianas do acarajé
Carolina Cantarino
http://www.revista.iphan.gov.br/materia.php?id=65
"Cinismo e cabotinismo dessa gente que sem nenhum pudor se apropria da cultura dos outros, desqualificando-a, para ganhar dinheiro de “forma limpa”. O fundamentalismo cristão de certas vertentes evangélicas prega a discriminação, a intolerância e o ódio, sentimentos que se opõem à própria concepção de cristianismo, no marketing de seu purismo, de sua verdade e validade absolutas. Recusei-me a comer o “acarajé de cristão” por considerá-lo ridículo e acintoso, e mesmo que tenha o mesmo gosto – o que não parece ser possível! – certamente provocaria uma tremenda indigestão cultural, moral e ética. No mundo da competição desenfreada, da perda de valores e do cinismo como legitimador de condutas, o “acarajé de cristão” pode até ter algum espaço no mercado gastronômico, mas só as pessoas de alma pequena, ou sem alma alguma, comerão esse “bolo” que é vendido como se fosse sagrado por ser feito por “mãos limpas” de cristão. A competição religiosa atinge níveis intoleráveis. Tratada como um negócio no mercado dos bens simbólicos e de salvação, as religiões de mercado se debatem, cada qual com seu estilo, para atrair clientes, consumidores de fé e de devoção. De padres e pastores espetaculosos, anunciadores de milagres, arrebatam gigantescas fortunas que são reinvestidas em meios de comunicação e conchas acústicas para a ressonância de seus discursos. Sobre a angústia e o desespero dos brasileiros, as religiões de mercado executam uma performance econômica sem igual nos demais ramos produtivos. Da privatização do Céu à do acarajé, e sempre em nome de Jesus, para ganhar dinheiro e, com isso conquistar o poder, em todos os campos. O “acarajé cristão” é uma bomba de efeito retardado. É a transfiguração cultural e religiosa de um bem, material e simbólico, de uma tradição cultural, a afro-brasileira, transformando-o numa coisa sem significado, destituído de sua essência. Gradativa e celeremente o vetor da religiosidade fundamentalista penetra pelas brechas que a miséria, a ignorância e a alienação abrem na sociedade civilizada e ocupam espaços enormes com a intolerância religiosa, cultural e social". Gey Espinheira – sociólogo, professor de sociologia da FFCH/UFBa., ensaísta e ficcionista.
Leia todo o artigo:
http://www.forum.clickgratis.com.br/tjlivres/t-592.html
Salvador (BA) - A baiana Anelita Conceição Viana, vendedora de acarajé.
1 de Fevereiro de 2008 (01/02/2008)
Rodrigues Pozzebom
http://commons.wikimedia.org/wiki/Image:Baiana-acaraj%C3%A9-Salvador.jpg
CONCLUSÃO
Quem ganha dinheiro com as culturas africanas na Bahia não é a comunidade preta, e todos sabem disso. Os milhões arrecadados anualmente com as manifestações culturais não retornam para os guetos de Salvador. Esse discurso é infantil e falta seriedade, não podemos guerrear contra nós mesmos.
Não há diferenças no "acarajé de Jesus" e nos outros acarajés, todos são feitos por mulheres pretas que aprenderam com as suas ancestrais, tanto assim que relatei que a minha mãe fazia há mais de 40 anos ralando o feijão fradinho na pedra, objetivando que seus filhos e filha conhecessem a tradição, isso lá no quintal de nossa casa em Queimados-RJ.
São todas mulheres pretas que fazem, sendo elas de candomblé, católicas, espíritas, agnósticas ou evangélicas as quais mantêm o sustento de famílias pretas. O que há são formas de manutenção da tradição ancestral africana, porque os degustadores(as) do acarajé são evangélicos pretos e pretas baianas que consumiam o “acarajé do demônio”, escondidos de seus pastores, e hoje muitos deles continuam a saborear a mesma iguaria feita por mulheres que se tornaram evangélicas e denominaram de “acarajé de Jesus”.
Discordo dessa denominação: “acarajé do demônio” por estar imbuída de preconceitos religiosos e anti-africanos feito por seguidores de teologias eurocêntricas. Todo alimento de origem africana é abençoado por Javé, porque de lá surgiram os primeiros hábitos alimentares de toda a humanidade. Somos o povo original.
As nossas heranças culturais tornaram-se alvos prediletos de se atacar todo um povo na diáspora, de minar o crescimento do Panafricanismo, de impedir a união do povo preto. Qual o seguidor de candomblé na Bahia que não tem dentro de sua família um membro da igreja católica ou evangélica? Existem famílias na Bahia em sua totalidade de praticantes de uma só concepção religiosa? Essas táticas são de bispos e pastores que odeiam as culturas africanas e o povo preto e demonizam alguns hábitos alimentares de origem africana, com objetivo de afetar a estrutura psíquica do povo preto evangélico. Dizem:
“O que você aprendeu a comer foi o diabo que ensinou”
E respondo a eles:
- O Diabo não existe nas culturas africanas que vieram seqüestradas para o Brasil e a Bíblia cita que o Diabo é o Pai da Mentira, é o que eles fazem é difundir mentiras contra o nosso povo.
Agora, permita-me comer um delicioso acarajé!
Acarajé - da Bahia
2 comentários:
Apenas para refletir.
O que nos faz mal é o que sai da boca (as palavras que nos faz desistir em meio a tantas adversidades.O que na verdade precisamos é ter ânimo,pessoas que nos de incentivo para vencer),quanto ao que entra pela boca (o que comemos),fica a critério do livre arbitrio.
Deus não é Deus de confusão,se o homem quer fazer confusão que faça sem envolver e blasfemar o nome santo de Deus.Temos que respeitar toda e qualquer religião,se é certo ou errado não nos cabe fazer julgo,pois o julgo vem do Senhor,eterno e soberano Deus.
Religião não leva ninguém para o céu,somente um coração sincero e puro,e ressaltando,o único autor da salvação é Deus,pois não há outro como ele,nem nos céus,nem na terra e nem no mar,não há nem um que seja digno como Deus o nosso criador.
Como o comentário ao lado temos livre arbítrio,para escolher o bem e o mal.
Eu particulamente escolhi anda na luz com Jesus,mas isso não me impede de comer um acarajé,seja ele rotulado pelo homem ou não.
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