* Artigo inédito retirado do Livro Afro-Reflexões de Walter Passos, págs. 62-68
O autor do texto em um Curso de História e Cultura Afro-brasileira e Africana escreveu:
“É dessa época também nomes como Gonçalves Dias e Machado de Assis, escritores mestiços/pardos(conforme a nomenclatura atual do IBGE), sendo que primeiro, em seus escritos, se ocupou de forjar a identidade indígena e o segundo, pouco se ocupou da situação negra, tendo escrito
apenas uma poesia, “Sabrina,” sobre uma escrava que se apaixona e é enganada por um sinhozinho e feito pouco menos de dez crônicas(Bons Dias), abordando o contexto pré abolicionista e pós, ressaltando as poucas ou quase nenhuma mudança na vida daqueles que deveriam ser beneficiar com o fim da escravidão” .
Discordo do autor. Machado de Assis foi o maior escritor realista brasileiro e fundador da Academia Brasileira de Letras (ABL), sendo perseguido por diversos escritores da sua época e epitetado como o “Bruxo do Cosme Velho”, e ainda hoje continua sendo acusado de omisso nas questões relacionadas a causa preta, a escravidão, e a situação do escravizado. Infelizmente o autor do texto não conhece profundamente a literatura machadiana.
Machado de Assis: Um Mestre na Periferia I
Destaco, um trecho de Sueli Carneiro publicado em 22/10/2004 no Fala, Brasil uma análise do escritor angolano José Eduardo Agualusa:
“Como medida da exclusão histórica do negro desde o pós-abolição, do acesso ao desenvolvimento econômico e cultural e sua invisibilização, o escritor alude ao fato de que:“atualmente não dá para citar um grande escritor negro ou mestiço brasileiro. Isso é incrível porque no século XIX havia grandes escritores afro-descendentes, como Machado de Assis e Cruz e Sousa”. É provável que o autor desconheça a forma categórica com que a negritude de Machado de Assis foi descartada por nossas elites que, para ofertar-lhe o reconhecimento a um talento que não podia ser negado, teve que o destituir das marcas de sua negritude, decretando, como o fez Olavo Bilac, "Machado de Assis não é um negro, é um grego”.
Os racistas e anti-Panafricanistas não aceitam um homem preto com a capacidade de Machado, intitulado como maior escritor brasileiro; e muitos críticos incorrem em erros de análise, imbuídos de preconceitos e desconhecimentos literários e históricos.O autor do texto deveria ler Iaiá Garcia, Memórias Póstumas de Brás Cubas, Dom Casmurro e outros contos e livros os quais Machado de Assis descreve com brilhantismo as mazelas da escravidão e as critica veementemente. Acredito que assim o fazendo não exporia desconhecimento sobre a importância dos escritos machadianos sobre a escravidão e a abolição, como diz o poeta Limeira: “Hábil lição da escravatura”. Machado de Assis conseguiu em seus textos denunciar a farsa abolicionista com o seu olhar cético, só o fazendo porque era conhecedor das elites escravagistas e sabia que, entre outras conseqüências, o povo preto saiu da senzala e foi transportado para as favelas, sendo ele mesmo um antigo morador dela. Foi cumprido um projeto de empobrecimento da população ex-escravizada, sendo sua mão-de-obra, agora livre, substituída por imigrantes brancos, os quais se tornaram donos dos instrumentos de produção, num processo de embraquecimento no território brasileiro. Vale ressaltar que esse processo começou com a teoria Eugenista, inspirada no racista francês Joseph Arthur de Gobineau, amigo do Imperador D.Pedro II, o qual sugeriu a imigração de caucasianos da Europa, para "salvar" o país da degeneração imutável.
Todavia, Machado retrata o escravizado como um olhar realista, sem retoques, o observa como um ser destituído de todo senso crítico pelos senhores, e especialmente no romance Iaiá Garcia, o personagem Raimundo é considerado uma criança com responsabilidades de adulto no que concerne ao seu trabalho de escravizado, e ao mesmo tempo um incompetente. Ainda hoje o afrodescendente é considerado pelas elites desse país um individuo incapaz de gerir o seu próprio destino.
Em Memórias Póstumas de Brás Cubas o escravizado Prudêncio é transformado em um objeto, um brinquedo, um cavalo, e após a abolição não sabe lidar como a liberdade.
Em Pai contra a Mãe Machado retrata a escravatura em toda a sua realidade e crueldade, fala dos castigos: “Um deles era o ferro ao pescoço, outro o ferro ao pé; havia também a máscara de folha-de-flandres. A máscara fazia perder o vício da embriaguez aos escravos, por lhes tapar a boca. Tinha só três buracos, dous para ver, um para respirar, e era fechada atrás da cabeça por um cadeado.” Relata as fugas individuais usadas como uma forma de resistência pelos nossos ancestrais, que não aceitaram a escravidão. Observa os castigos cruéis aplicados aos escravizados: “O ferro ao pescoço era aplicado aos escravos fujões. Imaginai uma coleira grossa, com a haste grossa também à direita ou à esquerda, até ao alto da cabeça e fechada atrás com chave. “Há meio século, os escravos fugiam com freqüência”.
Informa com sapiência a continuidade da escravidão pelo ventre materno, a sujeição da mulher escravizada que não pode usufruir seu filho, aquela que não gera uma criança, mas, sim uma mercadoria. Machado enfoca com maestria a dominação do homem pelo homem, no qual o escravismo cria relações monstruosas em um sistema político imoral e autoritário. Não esconde a opressão de suas vítimas e nem escamoteia em versos lindos e poéticos os sofrimentos dos escravizados. Cita o personagem Cândido Neves, caçador de escravizados fugitivos, retratando uma forma de resistência que foi a fuga individual. Denuncia o sistema escravocrata que cria homens insensíveis que vivem a caçar pessoas consideradas “bichos fujões”, por estarem fora das elites e precisam de dinheiro, esse é o caso de Cândido Neves, um capitão-do-mato, que endividado vai vender o próprio filho. Mas no caminho captura uma escravizada, e recebe uma boa recompensa, mantendo assim o seu filho. A escravizada estava grávida, e abortou com os castigos recebidos, ficando a vida do filho de Candinho em troca da morte de um ser preto, que no país escravista era considerado simples mercadoria. Este conto de machado de Assis foi um dos maiores alertas e protestos feitos contra a escravidão no Brasil e o bastaria e mais nada para considerá-lo um dos maiores abolicionistas brasileiros.
Foram criados adjetivos e estigmas sobre Machado de Assis, infelizmente repetidos, até por membros pretos na luta contra a discriminação. Falar sem conhecer é preconceito e devemos ler as obras machadianas, sendo assim, através de projetos de leituras orientar os nossos estudantes no sentido de discutir a contribuição machadiana nas denúncias do escravismo no Brasil.
Tornar-se-á necessário que acabemos com as visões racista inseridas nas nossas mentes de desprestigiar e negar aqueles poucos descendentes de africanos que no passado souberam usar a língua dos dominadores para denunciar a escravidão e suas mazelas.
Machado de Assis - Desenho animado sobre a vida do mestre da literatura brasileira
* Artigo inédito retirado do Livro Afro-Reflexões de Walter Passos, págs. 62-68
Leia mais sobre o Livro Afro-Reflexões - http://cnncba.blogspot.com/2008/04/livro-afro-reflexes.html
6 comentários:
Sou branco de olhos azuis e não vejo de jeito nenhum em Machado de Assis um homem negro. Olha a foto dele!!!!
Ótimo texto!
Machado de Assis é maravilhoso!
Li vários de seus livros e recomendo.
Recomendo também, para quem está em São Paulo, que vá à exposição no Museu da Língua Portuguesa, ao lado da Estação da Luz.
Mostra textos, cartas, da época; dos livros; dos amigos.E tem uma carta chocante que Joaquim Nabuco escreve ao receber a notícia da morte de Machado de Assis, referindo-se a sua etnia. Tentei procurá-la na internet para colocar os trechos aqui, mas não encontrei.
Tem fotos da época, as críticas pesadas que recebeu de jornalistas e outros...enfim, dentre tantas qualidades, ele foi também um guerreiro que soube usar inteligentemente seu talento para escrever. Num período em que não havia espaço para o negro, ele soube como ninguém consquistar e imortalizar-se. É um exemplo de luta, de resistência que devemos nos espelhar (cada um em sua área de atuação)
A fila estava imensa. E eu tive um sentimento muito bom, vendo tantas pessoas naquela imensidão de fila, querendo reverenciá-lo, através de sua exposição.
No Museu da Língua Portuguesa, a exposição vai até 26/10/2008, e espero que a siga para outras cidades, porque vale muito a pena ver.
Afrobeijos \O/
ahaha
o anônimo ficou chocado ao saber que Machado de Assis era negro! rs
"Seria trágico
se não fosse cômico" rs
********
Estou postando para deixar o site do Museu da Língua Portuguesa:
http://www.museulinguaportuguesa.org.br/museudalinguaportuguesa/index.html
Quem tiver oportunidade, vá!
entrada: R$ 4,00
estudante: R$ 2,00
aos sábados: na faixa (grátis)
Afrobeijos
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Obs.: ANÔNIMO! SE RECUPERA DO CHOQUE E PASSA LÁ! VC TERÁ MUITO MAIS SURPRESAS! RSRS
Eu fui na exposição.
O que mais chama atençao é a árvore genealógica que naquele tempo devia ter um peso grande.
Avós Paternos: deconhecidos/escravos
Pai: desconhecido
Avós maternos: açorianos/desconhecidos
Mãe: açoriana
Foi criado pela madrinha que deu a ele a oportunidade de se alfabetizar, então por conta própria, lia muito livros.
O cara se superou.
Quem deu pra ele o apelido de "bruxo do cosme velho" foi o Carlos Drumnd de Andrade, porque ele morava uma casa sinistra e muito antiga, na Rua do Cosme Velho.
Gente! Pelo amor de Deus!!! Machado é filho de um negro com uma portuguesa... ah! a foto dele está em preto e branco!!! Anônimo, querido, a cor da pele apenas não mostra a sua ascendência, não só o Machado como vc precisam de um exame de DNA para convencê-lo de ser brasileiro já é uma prova de que vc é MESTIÇO, independente de sua aparência.
Ta na cara que é a barba o cabelo afro..
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