Walter Passos - Historiador
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Seu Florisvaldo andava com o coração sentido. Na Igreja, a
sua filha caçula e predileta havia pedido para participar da peça de Natal:
- Tia, eu quero ser anjinho!
A tia - professora
das crianças, uma mulher da cor de ébano, uma preta turututu – disse, com a voz
de censura:
- Queridinha, você já viu anjinho preto?
A menina respondeu cabisbaixa:
- Tia, nunca vi. E
saiu chorando.
- Era muito fundamento! Assim dizia a esposa de seu
Florisvaldo, Da. Gracinha, no preparo da festa natalina.
A casa ficava bem arrumada com galhos de pitanga, sorriso de
maria e bananinha.
Um presépio bem enfeitado e uma grande árvore de natal com pisca-pisca complementavam a decoração do lar.
Era uma troca de cartões com a vizinhança, os pais, irmãs e
irmãos e “demais parentes”. Ninguém podia ficar de fora. As livrarias e os
camelôs vendiam muito, a fila do Correios ficava imensa, até as crianças de seu
Florisvaldo e Da. Gracinha pediram cartões para os coleguinhas.
As crianças ficavam em polvorosa, sabiam que quando
acordassem no dia 25 de dezembro, iam encontrar os presentes dados por Papai
Noel. E ainda colocavam os sapatinhos na janela. Mas, seu Florisvaldo, não
aprovava esse procedimento. Dizia com muita galhardia:
- Não tem essa história de Papai Noel. Quem dá duro sou eu,
pareço um burro de carga. Eu que compro os presentes dos meus filhos e não
acredito em Papai Noel.
Da. Gracinha retrucava:
- Flor, deixa os meninos sonharem, no nosso tempo foi assim!
Seu Florisvaldo permitia que os presentes ficassem nos
sapatinhos, mas na primeira oportunidade lhes contava a verdade, ele não era
homem de meia conversa e conformes.
Os meninos ganharam carrinhos de rolimã, feitos por seu
Florisvaldo, que tinha noção de carpintaria. Iriam se esbaldar nas ladeiras. Da. Gracinha
teria que fazer curativos nos joelhos e braços, com mercúrio e merthiolate (ardia
muito).
As crianças, choramingando após se ralarem, perguntavam as suas
mães:
- Mainha, vai arder?
Elas respondiam:
- Se arder, eu sopro.
Usava-se pó antisséptico para secar rápido as feridas e
criar logo o cascão.
As meninas não receberam as bonecas brancas que eram
compradas nas lojas da Avenida Sete e Baixa dos Sapateiros. Naquele natal, ganharam
de presente bonecas de panos, bonecas pretas. Essa mudança radical nos
presentes das meninas teve um motivo: a resposta do Seu Florisvaldo ao problema
da igreja. Disse ele:
As crianças com roupas novas, ostentando os brinquedos dados
pelo Papai Noel, sorriam felizes. Natal é época de presentes e de alegria.
As crianças sonhavam com o frio e como ficariam branquinhas
como a neve. As festas brancas levam às viagens de negação identitária, que
podem marcar as vidas e formar futuros adultos de “almas brancas”.
A ceia do natal era um dos melhores momentos para as
crianças, pois saboreavam fatia de parida (rabanada), bolos, biscoitos natalinos,
queijo de cuia, avelãs, nozes, castanha do pará, panetone, guaraná da
fratelivita, refrigerante de pêra, crush, grapette e outras guloseimas. Nos
dias não festivos era usado ki-suco. Na casa de Seu Florisvaldo não se bebia
fubuia.
Após olharem os presentes, hora de arrumar as crianças e
enfrentar o buzu, caminho para casa dos pais de Seu Florisvaldo. Em nenhum
momento, ele aceitava ir à casa dos sogros almoçar no Natal. Passava lá no crepúsculo.
Uma visitinha rápida. Da. Gracinha ficava triste, mas, nada comentava.
Quando encontrava os familiares era uma bacafuzarda. Entrega
de presentes, troca de cartões e, como de costume, o samba natalino e o jogo de
dominó.
O Natal para Seu Florisvaldo era uma festa de família. Mas,
estava com o coração triste. Não havia superado a humilhação que sofrera a sua
menina.
5 comentários:
Gostei muito de seu texto. Meus parabéns. Wagner Antonio de Araújo
O COMPORTAMENTO DE SEU FLORISVALDO E A RESPOSTA SUTIL.......FOI MUITO IMPORTANTE PARA O RACISMO VELADO DENTRO DAS INSTITUIÇÕES RELIGOSAS EVANGÉLICAS........DEUS E SEUS ANJOS TEM A COR DE TODAS AS CORES DA TERRA E A COR QUE QUEREMOS.
Estou alegre por encontrar blogs como o seu, ao ler algumas coisas,reparei que tem aqui um bom blog, feito com carinho,posso dizer que gostei do que li e desde já quero dar-lhe os parabéns,decerto que virei aqui mais vezes.
Sou António Batalha.
Que lhe deseja muitas felicidade e saúde em toda a sua casa.
PS.Se desejar visite O Peregrino E Servo, e se o desejar siga, mas só se gostar, eu vou retribuir seguindo também o seu.
Gilberto, concordo com você em quase tudo. Mas preciso dizer que igrejas evangélicas são contra imagens e esculturas, e por isso acredito que você possa ter confundido com a igreja católica, o que e perfeitamente compreensível, visto que ambas são cristãs.
Acredito que Deus nos fez sua imagem e semelhança, e que o racismo, como qualquer outro tipo de preconceito deve ser combatido sempre, e principalmente nas igrejas, pois (semelhante as escolas) são os centros de convivência e aprendizado de diversos grupos da sociedade.
Gilberto, concordo com você em quase tudo. Mas preciso dizer que igrejas evangélicas são contra imagens e esculturas, e por isso acredito que você possa ter confundido com a igreja católica, o que e perfeitamente compreensível, visto que ambas são cristãs.
Acredito que Deus nos fez sua imagem e semelhança, e que o racismo, como qualquer outro tipo de preconceito deve ser combatido sempre, e principalmente nas igrejas, pois (semelhante as escolas) são os centros de convivência e aprendizado de diversos grupos da sociedade.
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