sábado, 11 de maio de 2013

SEU FLORISVALDO E A CHAPINHA NO CABELO


 









Por Walter Passos - Historiador
Skype: lindoebano
Facebook: Walter Passos


Em um final de semana prolongado, Joana, a irmã mais velha de Florisvaldo que o ajudou a criar, foi visitá-lo. 


Preta muito esforçada concluiu o curso da Escola Normal, estudou letras e era professora bem conceituada.  Contraiu matrimônio com um preto advogado. Em Salvador, uma grande parcela de “pretos estudados” se casam ainda com mulheres pretas.  A Bahia é conhecida como a terra do Preto Doutor. 



E uma das filhas de Seu Florisvaldo, com 12 anos de idade, era a sobrinha preferida e afilhada de Joana. Fora batizada antes de Seu Florisvaldo entrar na “Lei de Crente”. Florisvaldo homenageou a irmã e registrou a menina com o nome de Joana. 

Ele não gostava das idéias da irmã mais velha, considerava avançadas, mas, não tinha coragem de dizer-lhe nada. Também, sofreu diversos castigos, puxões de orelha, e até surra de galho de goiabeira. Coitado apanhou demais!  

Muitas pessoas que estão lendo esse relato sabem do que eu estou falando, irmãs mais velhas... Cala-te boca! 

Continuemos o conto.

Joana, ao recordar esses fatos, falava que aquilo era coisa de mocinha, não faria isso se por acaso tivesse filhos. Na época era normal educar assim. E disse amorosamente:

- Flor você é ainda o menino do meu coração! Só que muito orgulhoso, tem que sair dessa favela. Eu te ajudo. Orgulho não leva a nada.

E como de costume levou a menina para a sua casa, esse foi o motivo principal da visita à casa do seu irmão.

A menina vai toda sorridente para a residência da tia, se livrara por alguns dias do claustro que era o seu cafofo e odiava o som do samsofone e também não participaria dos cultos considerados chatos. Ela apreciava a religião dos avós.

 Iria à rua conversar coisas de meninas, e na casa da tia tinha um quarto só para ela, onde havia as antigas revistas de modinha popular, que ela adorava e também ouvia rádio e podia dançar.

No café da manhã, ela conversou com a tia e tristemente relata o castigo sofrido pelos irmãos. O medo que tem do seu Florisvaldo e a lerdeza da própria mãe. Joana era uma menina muito sagaz apesar da pouca idade. 

- Tia, na escola as minhas coleguinhas dizem que o meu cabelo é de Bombril, eu não gosto e todas as meninas de cabelo ruim, alisam, menos eu, porque painho não deixa.  Diz que o cabelo é bonito, se Deus fez assim, não tem nada de bulir. Se é bonito por que as pessoas riem do meu cabelo?

A tia a achou engraçada porque era a pessoa que mais conhecia seu Florisvaldo, e argumentou:
- Ele sempre teve essa conversa besta! Chorava quando eu passava vaselina ou brilhantina no cabelo dele. 

A minha avó e mainha também não usam alisante, fazem uns cócos, tranças nagôs, penteados da África, deve ser por isso que ele é relutante. Quando eu casei e acompanhei o meu marido, melhorei a minha aparência e o meu cabelo.

-Sua tia vai cuidar disso. Vou passar um ferro quente!

A menina gritou:

- Não! Painho vai me bater!
Aquele menino safado não é louco! Ele tem a cabeça no lugar! Boi sabe onde arromba a cerca.
Dirigiu-se ao armário do banheiro e retornou com um ferro de alisar e disse:

- Agora vou fazer uma chapinha de leve, para o seu cabelo abaixar um pouquinho e você vai poder usá-lo solto.  Denguinho da titia!


- Não se preocupe!  Apenas não tome chuva e não molhe o cabelo quando for tomar banho, use um lenço ou uma touca. 

E alisou o cabelo da menina que sentiu alegria e medo. Vocês sabem o porquê...

Chega o dia do vamos ver! Joana volta à casa de Florisvaldo com a menina.  Ele estava absorto lendo a bíblia na varanda, e quando vê a irmã e a filha com o cabelo alisado, quase sofreu um troço. O homem musculoso de quase dois metros de altura pensou bem e meteu a língua entre os dentes emudecido.

Joana, então fala:

- Nem diga nada! Cale a sua matraca! Eu que alisei e está alisado! Oxente! Já viu homem ficar se metendo no que a mulher faz no cabelo? Como diz mamãe:

- Flor se assunte! 

E deu uma risada gostosa.

Joana sorriu no canto da boca por ver o poder da tia, e o seu pai calado de cabeça baixa.  Consciente e feliz que não seria “aconselhada” e iria à escola de cabelo alisado.

O caso passou rapidamente, como se nada tivesse acontecido sorriu com a irmã, falaram de coisas do passado, das surras que tomava. 

- O que passou! Passou!  Eu não era brincadeira! 

Dizia ele.

Ao inicio do entardecer a sua irmã foi embora e Florisvaldo chamou a filha para conversar:
- Joana, sei que você não é culpada desse pecado! 

- Tudo que o Senhor fez é belo. Não devemos mudar a nossa aparência. Fomos criados a imagem e semelhança do Criador. Não permitirei que se torne uma Jezabel. 

Levantou a levou ao banheiro e a entregou um balde cheio de água e disse sorridente:

- Lave o cabelo duas vezes e passe esse sabão de coco, porque o cabelo que Deus nos deu não deve ser violado.

E foi dormir satisfeito. Afinal, ele era o homem da casa.



Leia também:


CABELO DE PRETO – RESISTÊNCIA E AFIRMAÇÃO DA ANCESTRALIDADE - Parte I
http://cnncba.blogspot.com.br/2012/01/cabelo-de-preto-resistencia-e-afirmacao.html


ACESSE PRETAS POESIAS:
 

2 comentários:

Negaha disse...

Ando lendo estas aventuras. Adorei a proteção do pai, porém desprezo sua atitude como homem. Isto talvez seja porque ele representa aquela geração de homem dominantes onde a mulher não passava de uma escrava, isto é ao meu ver.

Continua.

Carmem disse...

É! Um paradoxo. O machismo anti-racismo.
Afinal. Qual atitude seria justificável, nesse caso?

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