Por Walter Passos, Historiador,Panafricanista,
Afrocentrista e Teólogo.
Pseudônimo: Kefing Foluke.
E-mail: walterpassos21@yahoo.com.br
Msn:kefingfoluke1@hotmail.com
Skype: lindoebano
Quando era menino, o dia 13 de maio representava alegria e tristeza. Alegria porque o meu pai falava do nascimento da minha avó em 13 de maio 1888, eu a conheci muito pouco, ela era uma preta retinta que ainda a vi chamando as pessoas de “Iaá” e “Ioô”, em alguns momentos chamava a minha mãe e as outras mulheres de sinhá. Sempre o 13 de maio era um dia de alegria, de festa e de aniversário para o meu pai, ele se sentia muito responsável pela minha avó e por suas irmãs, pois era o único “filho homem” (redundância na linguagem muito usada na Bahia).
Por outro lado, na escola primária sempre estudei em escolas particulares com ínfima presença de pretos e pretas, o 13 de maio era relembrada e eu me sentia triste, por causa das brincadeiras racistas das crianças mestiças e brancas, dos seus sorrisos maldosos e de suas frases de impacto: Hoje é o dia de sua libertação! Você não tá mais no tronco! Agradeça a Princesa Isabel!
Sempre quando eu fazia algum ato que desagradasse aos brancos e mestiços eles exclamavam: A culpa é da princesa Isabel!
Os 13 de maio nunca foram festejados na minha infância ou adolescência pela comunidade preta onde eu vivia no Rio de Janeiro. Quando comecei a participar de organizações negras no final da década de 70 nós afirmávamos que o 13 de maio não era o nosso dia. Sempre houve uma ojeriza a esta data, uma negação, e se tornou dia de protesto. O dia 20 de novembro se transformou na data mais importante das reivindicações, das lutas sociais e políticas da nossa comunidade organizada.
Sobre a abolição da escravatura, eu ouvia quando meu ex-professor, o historiador Mario Maestri Filho, discordava de outros historiadores como Décio Freitas no processo de emancipação. Maestri afirmava que a destruição do modo de produção escravagista ocorreu por forças internas na resistência do escravizado e Décio afirmava que foram as externas especialmente pela forte influência política e econômica da Inglaterra. Tive o prazer de ouvir Maestri, Décio Freitas e Clóvis Moura e outros historiadores sobre diversos assuntos. Maestri me levava a algumas conversas e eu ainda estudante de história, ouvia os mestres.
Maestri discordava muito dos militantes negros da época pelas suas análises conjunturais equivocadas. Recordo-me de que eu era fã e grande ouvinte de Bia (Maria Beatriz do Nascimento) no Grupo de Trabalhos André Rebouças da UFF (Universidade Federal Fluminense) e certo dia, ela elogiou Henrique Dias como um grande ícone do povo preto, quando falei isso para Maestri, veementemente discordou provando que Henrique Dias nada fez para o povo preto, foi um grande capitão - do mato a serviço das elites colonialistas.
Nesta época o Movimento Negro não admirava o Sr. Abdias Nascimento, eu ouvi críticas muito sérias feitas por Bia, Lélia Gonzalez e dos antigos militantes das irmandades de Pretos e negros da esquerda, especialmente do Partidão. Meu pai fazia parte do Partidão que muitos anos viveu na clandestinidade na época da ditadura militar. Eu tinha entre 21 e 25 anos de idade quando conversava com esses antigos militantes, e eles acima dos 60 anos de idade. Sempre tive a paciência de escutar os mais idosos porque haviam vivido mais tempo do que eu e sabiam coisas que eu não sabia. Ouvir é uma virtude que a nossa juventude tem perdido porque se acha dona do saber.
O tempo passa e alguns fatos históricos se transformam conforme os interesses dos grupos. Há pessoas que não aceitam outros relatos porque dogmatizam a história objetivando os seus interesses. Nunca há um só relato histórico sobre os fatos e nem tudo que se fala é a verdade.
Nestes 122 anos da abolição da escravatura há diversas reflexões que devem ser feitas pelo conjunto do Movimento Negro, entre elas eu enumero algumas:
APADRINHAMENTO DAS ELITES BRANCAS:
O discurso da maioria dos militantes negros se refere ao desejo de suporte e apadrinhamento das elites para a resolução dos problemas cruciais da nossa população. Estes militantes acreditam totalmente no poder do estado e de suas instituições. São militantes que vivem de ‘pires na mão’ à procura de verbas para aprovação de projetos. Sendo orientados por membros das elites na tomada das decisões.
Inclusive no que tangem as discussões religiosas que tratam de discriminação religiosa, os membros do poder estão em todas as mesas como orientadores e palestrantes, porque se este fato não ocorrer às verbas não saem e os encontros não existiriam. Muito comum entre os evangélicos e católicos, principalmente nas pastorais de combate ao racismo. A dependência econômica e o desejo de partilhar um dia do poder instituído falam mais alto do que os interesses reais da própria comunidade. Apesar de que a comunidade negra é a mantenedora principal do poder das elites religiosas.
As elites para se manter no poder após a abolição da escravatura tiveram projetos interessantes no conflito de classes, os quais tomaram novas características capitalistas exploratórias, e se criou conforme os dizeres de Maestri um mito de uma sociedade cordial, não conflituosa:
O caráter cordial, transigente e pacífico do brasileiro já foi um dos grandes mitos nacionais. A abolição da escravatura foi apresentada como prova dessa pretensa realidade. No exterior, o fim da instituição motivara lutas fratricidas. A guerra de Secessão causou quinhentas mil vítimas nos USA. No Haiti, em 1804, a destruição da ordem negreira exigiu a mais violentas guerra social do continente.
Foram negados aos libertos: habitação, emprego, educação e saúde. Considero os quatro pilares básicos para uma família se considerar feliz, e ter condições da manutenção harmoniosa, pilares que proporcionam lazer e segurança e um IDH plausível a nossa comunidade.
A comunidade negra não soube se organizar para procurar estabelecer por si mesmas estes quatro pilares essenciais, porque as famílias estavam desestruturadas, em um país pós-abolição, de oligarquias, de apadrinhamentos e coronelismos, o liberto teve que se adaptar a subserviência para a sobrevivência e tendo a todo o momento a sua auto-estima abalada.
As mulheres negras pós-abolição continuaram a manter um papel fundamental na preservação das famílias negras com os trabalhos extenuantes e na manutenção da unidade familiar. Desestruturando a família, não criando oportunidades nas escolas, morando em locais insalubres e sem direitos a saúde e ao trabalho, a comunidade teve obrigatoriamente de viver dos apadrinhamentos das elites e ver o homem branco como o ex-senhor e agora o patrão.
QUESTÃO DE IDENTIDADE:
Aos dez anos de idade eu já estava na primeira série do ginasial e minha mãe me obrigava a ensinar suas amigas que não tiveram a oportunidade da alfabetização. Não gostava, eu queria brincar e alfabetizar adultos em momentos das minhas brincadeiras não me agradava. Nada podia fazer, era obrigado. Uma das minhas amigas da minha mãe, disse:
-Seu menino é muito inteligente, gosta de estudar. Ele vai casar com uma mulher branca.
Hoje eu compreendo que na mentalidade daquela senhora a ascensão intelectual e social do negro teria que ser acompanhada com o branqueamento, dividir o conhecimento, a vida, o amor com uma representante do poder racial. No Brasil a cor da pele cria um divisor de águas e o negro procura uma melhor representação social na sociedade racista: a mulher branca. A amiga da minha mãe se enganou.
Já antes da abolição da escravatura a população escravizada e os libertos sofriam por causa da cor epitelial e o desejo de branqueamento era notório. Porque ser branco significava e ainda representa superioridade racial, social e econômica, e a aceitação nos grupos representativos do poder. O branqueamento da população não foi só um projeto das elites, mas se tornou um alvo da maioria da população negra, tanto assim, que o número de mestiços, denominados mulatos, teve um crescimento importantíssimo dentro das classes emergentes no Brasil Império e Colônia, se manifestando fortemente na República. A literatura brasileira possui diversos escritos sobre essa crise de identidade e a ascensão dos novos bacharéis mestiços, um dos exemplos é o livro O Mulato, de Aluísio de Azevedo.
Relembrar a escravidão e suas mazelas é traumático para os educadores negros. A escravidão tem que ser esquecida porque como dizem muitos: Quem vive do passado é Museu. Não quero lembras essas tristezas!
A questão identitária após o 13 de maio de 1888 se tornou fundamental porque foi um período onde a comunidade negra teve que resolver os problemas cruciais de sobrevivência em um país que a colocou como cidadãos e cidadãs de segunda categoria, os retirando das terras produtivas e abrindo o caminho para a continua vinda de imigrantes europeus e orientais. Ser negro após a abolição era carregar o estigma de ex-escravizado e superá-lo pelo processo de branqueamento se tornou o caminho tentador principalmente para os homens que ascenderam socialmente. Atualmente os grandes debates a respeito das relações inter-raciais onde a maioria dos homens negros no “poder” é casada com mulheres brancas preferivelmente loiras e são defensores de uma luta as quais não podem levar as esposas e nem os filhos e filhas. Conseqüência do 13 de maio e seu processo de branqueamento no Brasil.
Estão questão identitário é muito importante porque sofre mudanças conforme os avanços dos grupos sociais que chegam mais perto ou almejam o poder. Hoje se tornou crucial para alguns militantes declararem o seu lado branco, a sua origem mestiça, que reforça a idéia de mestiçagem e de uma sociedade que está resolvendo os conflitos raciais. Exemplo deste fato é o caso do presidente do Olodum, João Jorge, que disse ao ser entrevistado pelo Bahia Notícias:
Também tenho motivos de ordem cultural e educacional para lançar minha candidatura. Se nós pegarmos Mandela, Marina Silva, Lula e Obama, as origens dessas pessoas é parecida com a minha. Sou mestiço, filho de negro com branco, sou advogado, mestre em direito público, fiz a minha vida dirigindo um táxi, trabalhei 11 anos no pólo petroquímico, sou resultado da cultura baiana para conquistar o mundo, e ao mesmo tempo estou esperando que a Bahia escolha novas idéias.
E continua:
BN: Podemos afirmar que o mote de sua campanha e de seu mandato, caso seja eleito, passa pela questão da igualdade étnica?
JJ: Para pela igualdade geral, ampla e irrestrita. Como sou de um segmento amplo, todas as políticas que eu vou propor serão focadas na Bahia como um todo. Posso dizer que o benefício será para toda a comunidade baiana. Então, essa não é uma candidatura negra, da comunidade negra, é uma candidatura dos baianos e das baianas.
Conheço o João Jorge há muito, respeito as suas idéias, continuo tendo por ele a amizade de quase 30 anos, mas, desejaria que a candidatura dele ao Senado Federal fosse uma candidatura negra. Por outro lado a expectativa de oferecer uma candidatura negra na Bahia que tem a maior parte de sua população de descendentes de africanos, em grave crise identitária de negação da origem africana é perder votos. O negro baiano se autodenomina em diversas cores epiteliais que vão do quase-branco, chocolate, marrom bombom, moreninho, cor de formiga, mulato, pardo, queimadinho da Ribeira, entre outras.
A candidata Marina afirmou nos Estados Unidos da América quando foi recepcionada como candidata negra, que nunca foi discriminada por ser mulher ou negra. As lideranças não confiam na suas próprias comunidades ou não se sentem inseridas nelas quando ascendem social e politicamente?
FALTA DE CAPACIDADE DE UM PROJETO PRÓPRIO:
As entidades negras não se propõem a criação de um projeto político que possa reverter às dificuldades advindas do Brasil pós-abolicionista. Há muitos problemas gerados pela escravidão e não resolvidos com a abolição.
A falta de um projeto político ocorre pelas inúmeras divisões do Movimento Negro no Brasil e pela falta de maturidade emocional e política dos seus membros. Há o desejo de ser considerado importante, de auto-declaração de liderança, provocando uma autofagia e letargia nas propostas e ações que deveriam beneficiar as comunidades. Nesta luta pelo estrelismo barato que não leva a nada, mas é notado pelas elites, muito negros e negro não servem a sua comunidade, mas, aos interesses pessoais.
André Rebouças, um engenheiro negro, já previa as dificuldades que a abolição traria aos libertos:
Um dos mais combativos abolicionistas, o engenheiro André Pinto Rebouças sabia que com a assinatura da Lei Áurea a abolição da escravatura estaria consumada, mas seria uma vitória incompleta. Para ele, era preciso que aos libertos fossem dadas oportunidades de trabalho remunerado e educação, sem as quais os negros apenas trocariam o cativeiro pela miséria.
Além da universalização da educação básica, Rebouças sustentava que os ex-escravos deveriam receber terras para cultivar. Segundo o engenheiro, tais medidas não apenas garantiriam o sustento dos negros como também contribuiriam para o desenvolvimento do país. Para ele, se a educação formava o homem, o trabalho dignificava, independentemente de sua cor, como sua própria trajetória demonstrava. E o latifúndio, tanto quanto o cativeiro, era sinal de atraso. Não se alcançaria o desenvolvimento, portanto, sem uma reforma agrária ordeira e pacífica.
Interessante de que estamos em um ano de eleições e mais uma vez a falta de projeto político leva o Movimento Negro a ter interesses pessoais pautados nos interesses partidários, e alguns membros chegam mesmo a acreditar que a participação nas formas de poder instauradas são caminhos de mudanças radicais para a maioria da população. O mais incrível são os discursos apresentados de defesa dos partidos políticos e suas propostas para resolver os problemas nacionais. O fator mais interessante é de que as “esquerdas” não se entendem. Ser negro do PT, PC do B, PPS, PDT, PSTU, PCO significa tratar o outro negro como inimigo e ter o branco como o seu maior aliado. Os negros dos partidos da direita são os mais submissos e serviçais e acreditam piamente na democracia racial brasileira.
As divisões partidárias não permitem a criação de um projeto nacional, porque os negros e negras filiados aos partidos devem obrigação as suas tendências políticas e não ao crescimento da solidariedade panafricana. A desigualdade racial no Brasil continua devido a falta de organização política do Movimento Negro, da comunidade negra, de não acreditarmos na nossa capacidades de mudança. O problema fundamental é ainda esperar que os descendentes dos senhores e capatazes nos digam o que fazer e como agir.
Não há liderança negra no Brasil. As discussões sobre os problemas raciais não chegam aos guetos, as favelas, aos chamados bairros de periferias, as igrejas, terreiros... Não chega a minha rua. Já chegou a sua? Não há um projeto político do Movimento Negro e ai está a sua fraqueza.
Observo com interesse os chamados encontros de políticos de chapas representativas com os negros dos partidos, onde vão ouvir as reivindicações do grupo. Interessante seria que os negros dos partidos tivessem mobilização para discutir com todos os membros dos partidos a questão racial, porque o racismo não afeta somente os negros, afeta a sociedade e pessoas, seres humanos praticam e sofrem dessa mazela. O racismo é um problema de todo o brasileiro, onde a vítima é o negro.
Leiam abaixo o texto de Mario Maestri Filho. Maestri discorda das análises do Movimento Negro. Leia o texto e tire as suas conclusões:
13 DE MAIO
A ÚNICA REVOLUÇÃO SOCIAL VITORIOSA NO BRASIL
Nesse 13 de maio, cumpre-se sem glória mais um natalício do fim da escravatura no Brasil, uma das primeiras nações americanas a instituir e a última a abolir a escravidão. Dos 505 anos de história brasileira, mais de 350 passaram-se sob o látego negreiro. Apesar da superação do escravismo constituir o mais significativo acontecimento de passado nacional, o aniversário da Abolição transcorrerá, outra vez, semi-esquecido.
A Abolição já foi data nacional magna, festivamente relembrada e rememorada. Nos últimos anos, profundamente questionada, organizou-se verdadeira conspiração de silêncio em torno dela. Paradoxalmente, a operação recebe o apoio do movimento negro brasileiro que, ao contrário, deveria desdobrar-se na celebração do 13 de Maio e na discussão de seu significado histórico, destruindo as interpretações apologéticas sobre ele.
O caráter cordial, transigente e pacífico do brasileiro já foi um dos grandes mitos nacionais. A abolição da escravatura foi apresentada como prova dessa pretensa realidade. No exterior, o fim da instituição motivara lutas fratricidas. A guerra de Secessão causou quinhentas mil vítimas nos USA. No Haiti, em 1804, a destruição da ordem negreira exigiu a mais violentas guerra social do continente.
No Brasil, a transição teria se efetuado sem violências devido a instituições sensíveis ao progresso dos tempos, a líderes esclarecidos e à humanitária alma popular. Neste cenário de paz e concórdia, brilharia a figura humana de Isabel – a Redentora. Apiedada com o sofrimento dos negros e despreocupada com a sorte do seu trono, ela assinou com caneta de ouro o diploma que pôs fim ao cativeiro.
Em 13 de maio de 1888, começaria a construção de sociedade fraterna e desprovida de barreiras sociais ou raciais intransponíveis. As desigualdades existentes dever-se-iam a deficiências não essenciais da civilização brasileira, enraizada em uma concórdia estrutural entre ricos e pobres, brancos e negros. Ao menos, era o que se dizia.
Pátria incruenta
Acontecimentos pátrios de impar importância, a Independência, a República e a Abolição teriam como denominador comum o caráter essencialmente pacífico da civilização brasileira. Apresentava-se igualmente a essência patriarcal da ordem escravista como corolário da natureza magnânima do homem brasileiro, que quebrantava qualquer confronto de raça, credo e classe.
Com a queda da ditadura militar e a redemocratização, em 1985, a crescente organização popular e o surgimento de entidades negras combativas criaram as condições para desnudar a triste realidade subjacente ao discurso da democracia racial e da fraternidade brasileira. As narrativas laudatórias sobre a Abolição, sobre a escravidão e sobre o caráter democrático de sociedade nacional trincavam-se contra a triste realidade contemporânea.
Em fins dos anos setenta, diante dos olhos mais míopes, desnudava-se situação onde o povo negro constituía a parcela mais sofrida de uma população crescentemente explorada. Revelava-se para os que não se negavam a ver sociedade singularmente violenta onde a pele escura dificultava a conquista do trabalho e facilitava o acesso à prisão, se não ao necrotério.
Desde os anos sessenta, as descrições fantasiosas sobre o passado do Brasil eram refutadas por cientistas sociais como Florestan Fernandes, Octávio Ianni, Fernando Henrique Cardoso, etc. que empreenderam análises mais objetivas, sobretudo da segunda metade do século 19. Porém, em geral, esses autores refutavam o significado histórico do 13 de Maio ao referirem-se à escravidão. Apontavam a inusitada violência do escravismo brasileiro mas definiram a sua superação como um “negócio de brancos”, onde os cativos, principais interessados, não teriam tido papel significativo ou ganhos substanciais naquela superação.
Em fins dos anos setenta, o movimento negro retomou acriticamente essa tese, com o objetivo de melhor denunciar a situação econômica e social da população afro-descendente. Para desqualificar a Abolição, ressaltou-se que se efetuara sem a indenização pecuniária ou fundiária. Que o movimento abolicionista buscava, libertando os cativos, prover-se de mão-de-obra barata. Que após a Abolição, as condições de existência das massas negras teriam talvez piorado, tese defendida, por Gilberto Freyre, sobretudo em Sobrados e mucambos, de 1936.
Para melhor criticar os mitos da emancipação do povo negro em 1888 e da ação magnânima da Regente Imperial, o movimento negro propôs a abominação do 13 de Maio e a celebração do 20 de Novembro como dia nacional da consciência negra no Brasil. Naquela data, em 1695, morria Zumbi, o último chefe da confederação dos quilombos de Palmares.
Encobrindo o passado
Apesar de bem-intencionadas, essas leituras consolidaram as interpretações caricaturais e paternalistas do 13 de Maio, dos ideólogos das classes proprietárias, que procuravam escamotear o sentido e a essência de sucessos nascidos do esforço das massas escravizadas aliadas aos setores abolicionistas radicalizados. Assentou-se assim a última pedra na construção do esquecimento do mais importante acontecimento histórico brasileiro – a revolução abolicionista de 1887-8.
O movimento negro organizado esquecia que celebrar a Abolição não significa reafirmar os mitos da emancipação social do povo negro em 1888 ou de Isabel como promotora da emancipação. Ignorava que comemorar o fim da escravidão significa recuperar a importância da superação do escravismo, através de frente política pluriclassitas, e do protagonismo dos cativos nesses fatos e no passado do Brasil.
Em forma alienada e imperfeita, as comunidades negras sempre intuíram a importância histórica da libertação, em 1888. Apenas nos últimos anos essa consciência diluiu-se devido ao proselitismo anti-Abolição, verdadeira invenção da tradição que resulta em grave perda da memória histórica das classes trabalhadoras e oprimidas, em geral, e afro-descendentes, em particular.
Foi o profundo impacto da Libertação, em 1888, na consciência e na vida dos cativos e libertos que levou o povo negro a rememorar, com tanto carinho, por um século, o 13 de Maio, e festejou, imerecidamente, com devoção, a escravista Isabel de Bragança, herdeira da casa de Bragança, um dos grandes responsáveis pela manutenção do cativeiro no Brasil quase até o século 20.
Em inícios de 1980, Mariano Pereira dos Santos, centenário ex-cativo, apesar de ter vivido como homem livre na profunda miséria, afirmava comovido, semanas antes de morrer, que após a “Libertação”, o povo negro vivera “na glória”. Maria Benedita da Rocha, uma outra ex-cativa, também centenária, referiu-se, arrebatada ao anúncio do fim do cativeiro na sua fazenda. Através do Brasil, nas cidades e campos, em 13 de maio de 1888, os tambores e atabaques ressoaram poderosos ferindo em derradeira vendeta os tímpanos dos negreiros derrotados.
O dia da libertação
A visão do 13 de Maio, pelo povo negro, como concessão da Redentora, não pode ser explicada apenas como resultado da propaganda das classes proprietárias. Constitui a cristalização, alienada e determinada pela ideologia dominante, na consciência popular, de acontecimento de profundo sentido histórico para as classes trabalhadoras escravizadas e toda a nacionalidade brasileira. Ou seja, operação para diluir a memória do protagonismo dos trabalhadores escravizados em acontecimento único no nosso passado.
Não há sentido em antepor Palmares ao 13 de Maio. Apesar de saga luminar, Palmares teve menor significado histórico que a Abolição. Por mais heróica que tenha sido, a epopéia palmarina jamais propôs, e historicamente não poderia ter proposto, a destruição da instituição servil como um todo. Palmares resistiu por quase um século, determinou a história do Brasil, mas foi derrotado. A revolução abolicionista foi vitoriosa e pôs fim ao escravismo, ainda que tardiamente.
Desconhecer o sentido revolucionário da Abolição é olvidar a essência escravista de dois terços de passado brasileiro e o caráter singular da gênese do Brasil contemporâneo, através da destruição do modo de produção escravista colonial. Tal desconhecimento ignora a contradição essencial que regeu por mais de trezentos anos o passado brasileiro – escravizadores contra trabalhadores escravizados – e consolida a falsa visão do cativo como categoria social que jamais alcançou a ser protagonista da história.
Nos anos 1950, autores como Clóvis Moura e Benjamin Péret produziram importantes leituras sobre o agir dos trabalhadores escravizados no Brasil. Nos anos sessenta, Emília Viotti da Costa, Stanley Stein, etc. avançaram significativamente o conhecimento essencial da escravidão. Nas duas décadas seguintes, foram produzidos numerosos trabalhos sobre a sociedade, economia e as formas sui-generis de resistência do cativo, destacando-se entre eles a apresentação em O escravismo colonial por Jacob Gorender do escravismo colonial como modo-de-produção historicamente novo.
Nesses anos, estudos como o hoje já clássico Os últimos anos da escravidão no Brasil, de Robert Conrad, apresentaram a Abolição, em seu tempo conjuntural, como o resultado da insurreição incruenta dos escravos cafeicultores que, nos últimos meses do cativeiro, abandonaram maciçamente as fazendas, reivindicando relações contratuais de trabalho. Tais estudos desvelaram parcialmente a extrema tensão política e social sob a qual o movimento abolicionista radicalizado alcançou a vitória, em 1888, em estreita ligação com a massa escravizada, principal protagonista dessas jornadas.
Instituição terminal
Em 13 de maio de 1888, a herdeira imperial nada mais fez do que, após o projeto abolicionista ter sido aprovado no parlamento pelos representantes dos grandes proprietários, sancionar a Lei Áurea, assinando o atestado de óbito de instituição nos estertores finais devido a sua desorganização pela fuga dos cativos. Durante todo o Primeiro e o Segundo Reinados, os Braganças haviam defendido com unhas e dentes a escravidão, conscientes da aliança que os unia umbilicalmente à classe dos escravistas.
Nos últimos meses da escravidão, os mais renitentes negreiros reconheciam já inevitabilidade do fim da instituição. Defendendo até o último momento o cativeiro, pretendiam apenas criar as melhores condições para reivindicar indenização pela propriedade libertada. Foi devido a essa reivindicação que o ministro republicano Rui Barbosa ordenou a queima dos registros de posse de cativos, pois, sem prova legal, não havia possibilidade de indenização.
Foi igualmente a ação estrutural das massas escravizadas, durante os três séculos de cativeiro, que construiu as condições que ensejaram, mais tarde, a destruição da servidão. Sobretudo a rejeição permanente do cativo ao trabalho feitorizado impôs limites insuperáveis ao desenvolvimento tecnológico da produção escravista, determinando altos gastos de vigilância e de coerção ao regime negreiro que abriram espaços para formas e modos de produção historicamente superiores.
Em 1888, a revolução abolicionista destruiu o modo de produção escravista colonial que, por mais de trezentos anos, ordenara a sociedade no Brasil. Negar estas realidades devido às condições econômicas, passadas ou atuais, da população negra, é compreender a história com preconceitos simplistas, moralizadores e, sobretudo, não históricos. Os limites da Abolição eram objetivos. Nos últimos anos da escravidão, a classe escrava era categoria social em declínio que lutava sobretudo pela conquista dos direitos cidadãos mínimos. Foi a reivindicação da liberdade civil que uniu a luta dos cativos rurais à dos cativos urbanos, então pouco representativos.
Apenas a liberdade
Não procede a proposta que a Abolição não teve conteúdo porque os escravistas não indenizaram os cativos. A estrutura latifundiária das plantações escravistas, a pouca difusão de hortas servis e a liberdade civil como reivindicação central já dificultavam movimento pela distribuição de terras, que exigiria união de cativos, caboclos, posseiros, colonos sem terra, etc., praticamente impossível de ser então concretizado, devido sobretudo ao baixo nível de consciência e organização e à elevada heterogeneidade e dispersão geográfica das classes trabalhadoras rurais. Porém, tal medida foi defendida por setores do movimento abolicionista.
Na limitação das conquistas obtidas quando da Abolição pesou também a verdadeira contra-revolução empreendida pelos grandes proprietários, através do golpe republicano, oligárquico e federalista, imposta em 15 de novembro de 1889, que pôs fim ao movimento abolicionista como projeto reformista nacional. Os limites históricos da Abolição não devem minimizar a importância da conquista dos direitos políticos e civis mínimos para aproximadamente setecentos mil homens, mulheres, jovens e crianças ainda registrados como escravos ou ventre-livres. Com o 13 de Maio, superava-se a distinção entre trabalhadores livres e escravizados, iniciando-se a história da classe operária brasileira como a compreendemos hoje.
Nos anos 90, a derrota histórica do mundo trabalho diante do capital e a euforia neoliberal que apenas hoje perde ímpeto determinaram os destinos gerais da historiografia. No Brasil como alhures, em tempos de Nova História, os holofotes da mídia, o interesse das editoras, o bon ton historiográfico passaram a recomendar temas e estudos monográficos, intimistas, biográficos ou exóticos, tranqüilizadores das consciências e pacificadores dos espíritos. Da ciência que procurava libertar, a história evoluiu à arte de entreter.
Nesse contexto, decaiu o interesse e os incentivos, diretos ou indiretos, para a pesquisa sobre a história das classes subalternizadas e para os estudos analíticos sobre o passado brasileiro. Apequenaram-se os estudos sobre as classes trabalhadoras urbanas, o movimento camponês, os fenômenos essenciais da sociedade humana. Diminuíram sensivelmente as pesquisas sobre a escravidão colonial brasileira que retomaram e refinaram as teses da escravidão benigna e consensual defendidas com singular inteligência e cabotinismo e por Gilberto Freyre.
A história é processo objetivo e complexo, apenas em geral ascendente, onde as conquistas sociais de ontem, parciais e contraditórias, possibilitam conquistas mais substanciais no presente, como podem, igualmente, dar lugar a recuos históricos da marcha civilizacional, que ensejam, necessariamente, o obscurecimento da compreensão do presente e do passado.
A revolução abolicionista foi o primeiro grande movimento de massas moderno, promovido sobretudo pelos trabalhadores escravizados, em aliança com libertos, trabalhadores livres, segmentos médios e alguns poucos proprietários. Até agora, constituiu a única revolução social vitoriosa do Brasil. Resgatando seu sentido e desvelando sua história, prosseguiremos mais facilmente no sentido apontado pelos trabalhadores escravizados que ousaram abandonar as senzalas para pôr fim à ordem negreira, no não tão longínquo ano de 1888.
http://www.espacoacademico.com.br/049/49maestri.htm
Por outro lado, na escola primária sempre estudei em escolas particulares com ínfima presença de pretos e pretas, o 13 de maio era relembrada e eu me sentia triste, por causa das brincadeiras racistas das crianças mestiças e brancas, dos seus sorrisos maldosos e de suas frases de impacto: Hoje é o dia de sua libertação! Você não tá mais no tronco! Agradeça a Princesa Isabel!
Sempre quando eu fazia algum ato que desagradasse aos brancos e mestiços eles exclamavam: A culpa é da princesa Isabel!
Os 13 de maio nunca foram festejados na minha infância ou adolescência pela comunidade preta onde eu vivia no Rio de Janeiro. Quando comecei a participar de organizações negras no final da década de 70 nós afirmávamos que o 13 de maio não era o nosso dia. Sempre houve uma ojeriza a esta data, uma negação, e se tornou dia de protesto. O dia 20 de novembro se transformou na data mais importante das reivindicações, das lutas sociais e políticas da nossa comunidade organizada.
Sobre a abolição da escravatura, eu ouvia quando meu ex-professor, o historiador Mario Maestri Filho, discordava de outros historiadores como Décio Freitas no processo de emancipação. Maestri afirmava que a destruição do modo de produção escravagista ocorreu por forças internas na resistência do escravizado e Décio afirmava que foram as externas especialmente pela forte influência política e econômica da Inglaterra. Tive o prazer de ouvir Maestri, Décio Freitas e Clóvis Moura e outros historiadores sobre diversos assuntos. Maestri me levava a algumas conversas e eu ainda estudante de história, ouvia os mestres.
Maestri discordava muito dos militantes negros da época pelas suas análises conjunturais equivocadas. Recordo-me de que eu era fã e grande ouvinte de Bia (Maria Beatriz do Nascimento) no Grupo de Trabalhos André Rebouças da UFF (Universidade Federal Fluminense) e certo dia, ela elogiou Henrique Dias como um grande ícone do povo preto, quando falei isso para Maestri, veementemente discordou provando que Henrique Dias nada fez para o povo preto, foi um grande capitão - do mato a serviço das elites colonialistas.
Nesta época o Movimento Negro não admirava o Sr. Abdias Nascimento, eu ouvi críticas muito sérias feitas por Bia, Lélia Gonzalez e dos antigos militantes das irmandades de Pretos e negros da esquerda, especialmente do Partidão. Meu pai fazia parte do Partidão que muitos anos viveu na clandestinidade na época da ditadura militar. Eu tinha entre 21 e 25 anos de idade quando conversava com esses antigos militantes, e eles acima dos 60 anos de idade. Sempre tive a paciência de escutar os mais idosos porque haviam vivido mais tempo do que eu e sabiam coisas que eu não sabia. Ouvir é uma virtude que a nossa juventude tem perdido porque se acha dona do saber.
O tempo passa e alguns fatos históricos se transformam conforme os interesses dos grupos. Há pessoas que não aceitam outros relatos porque dogmatizam a história objetivando os seus interesses. Nunca há um só relato histórico sobre os fatos e nem tudo que se fala é a verdade.
Nestes 122 anos da abolição da escravatura há diversas reflexões que devem ser feitas pelo conjunto do Movimento Negro, entre elas eu enumero algumas:
APADRINHAMENTO DAS ELITES BRANCAS:
O discurso da maioria dos militantes negros se refere ao desejo de suporte e apadrinhamento das elites para a resolução dos problemas cruciais da nossa população. Estes militantes acreditam totalmente no poder do estado e de suas instituições. São militantes que vivem de ‘pires na mão’ à procura de verbas para aprovação de projetos. Sendo orientados por membros das elites na tomada das decisões.
Inclusive no que tangem as discussões religiosas que tratam de discriminação religiosa, os membros do poder estão em todas as mesas como orientadores e palestrantes, porque se este fato não ocorrer às verbas não saem e os encontros não existiriam. Muito comum entre os evangélicos e católicos, principalmente nas pastorais de combate ao racismo. A dependência econômica e o desejo de partilhar um dia do poder instituído falam mais alto do que os interesses reais da própria comunidade. Apesar de que a comunidade negra é a mantenedora principal do poder das elites religiosas.
As elites para se manter no poder após a abolição da escravatura tiveram projetos interessantes no conflito de classes, os quais tomaram novas características capitalistas exploratórias, e se criou conforme os dizeres de Maestri um mito de uma sociedade cordial, não conflituosa:
O caráter cordial, transigente e pacífico do brasileiro já foi um dos grandes mitos nacionais. A abolição da escravatura foi apresentada como prova dessa pretensa realidade. No exterior, o fim da instituição motivara lutas fratricidas. A guerra de Secessão causou quinhentas mil vítimas nos USA. No Haiti, em 1804, a destruição da ordem negreira exigiu a mais violentas guerra social do continente.
Foram negados aos libertos: habitação, emprego, educação e saúde. Considero os quatro pilares básicos para uma família se considerar feliz, e ter condições da manutenção harmoniosa, pilares que proporcionam lazer e segurança e um IDH plausível a nossa comunidade.
A comunidade negra não soube se organizar para procurar estabelecer por si mesmas estes quatro pilares essenciais, porque as famílias estavam desestruturadas, em um país pós-abolição, de oligarquias, de apadrinhamentos e coronelismos, o liberto teve que se adaptar a subserviência para a sobrevivência e tendo a todo o momento a sua auto-estima abalada.
As mulheres negras pós-abolição continuaram a manter um papel fundamental na preservação das famílias negras com os trabalhos extenuantes e na manutenção da unidade familiar. Desestruturando a família, não criando oportunidades nas escolas, morando em locais insalubres e sem direitos a saúde e ao trabalho, a comunidade teve obrigatoriamente de viver dos apadrinhamentos das elites e ver o homem branco como o ex-senhor e agora o patrão.
QUESTÃO DE IDENTIDADE:
Aos dez anos de idade eu já estava na primeira série do ginasial e minha mãe me obrigava a ensinar suas amigas que não tiveram a oportunidade da alfabetização. Não gostava, eu queria brincar e alfabetizar adultos em momentos das minhas brincadeiras não me agradava. Nada podia fazer, era obrigado. Uma das minhas amigas da minha mãe, disse:
-Seu menino é muito inteligente, gosta de estudar. Ele vai casar com uma mulher branca.
Hoje eu compreendo que na mentalidade daquela senhora a ascensão intelectual e social do negro teria que ser acompanhada com o branqueamento, dividir o conhecimento, a vida, o amor com uma representante do poder racial. No Brasil a cor da pele cria um divisor de águas e o negro procura uma melhor representação social na sociedade racista: a mulher branca. A amiga da minha mãe se enganou.
Já antes da abolição da escravatura a população escravizada e os libertos sofriam por causa da cor epitelial e o desejo de branqueamento era notório. Porque ser branco significava e ainda representa superioridade racial, social e econômica, e a aceitação nos grupos representativos do poder. O branqueamento da população não foi só um projeto das elites, mas se tornou um alvo da maioria da população negra, tanto assim, que o número de mestiços, denominados mulatos, teve um crescimento importantíssimo dentro das classes emergentes no Brasil Império e Colônia, se manifestando fortemente na República. A literatura brasileira possui diversos escritos sobre essa crise de identidade e a ascensão dos novos bacharéis mestiços, um dos exemplos é o livro O Mulato, de Aluísio de Azevedo.
Relembrar a escravidão e suas mazelas é traumático para os educadores negros. A escravidão tem que ser esquecida porque como dizem muitos: Quem vive do passado é Museu. Não quero lembras essas tristezas!
A questão identitária após o 13 de maio de 1888 se tornou fundamental porque foi um período onde a comunidade negra teve que resolver os problemas cruciais de sobrevivência em um país que a colocou como cidadãos e cidadãs de segunda categoria, os retirando das terras produtivas e abrindo o caminho para a continua vinda de imigrantes europeus e orientais. Ser negro após a abolição era carregar o estigma de ex-escravizado e superá-lo pelo processo de branqueamento se tornou o caminho tentador principalmente para os homens que ascenderam socialmente. Atualmente os grandes debates a respeito das relações inter-raciais onde a maioria dos homens negros no “poder” é casada com mulheres brancas preferivelmente loiras e são defensores de uma luta as quais não podem levar as esposas e nem os filhos e filhas. Conseqüência do 13 de maio e seu processo de branqueamento no Brasil.
Estão questão identitário é muito importante porque sofre mudanças conforme os avanços dos grupos sociais que chegam mais perto ou almejam o poder. Hoje se tornou crucial para alguns militantes declararem o seu lado branco, a sua origem mestiça, que reforça a idéia de mestiçagem e de uma sociedade que está resolvendo os conflitos raciais. Exemplo deste fato é o caso do presidente do Olodum, João Jorge, que disse ao ser entrevistado pelo Bahia Notícias:
Também tenho motivos de ordem cultural e educacional para lançar minha candidatura. Se nós pegarmos Mandela, Marina Silva, Lula e Obama, as origens dessas pessoas é parecida com a minha. Sou mestiço, filho de negro com branco, sou advogado, mestre em direito público, fiz a minha vida dirigindo um táxi, trabalhei 11 anos no pólo petroquímico, sou resultado da cultura baiana para conquistar o mundo, e ao mesmo tempo estou esperando que a Bahia escolha novas idéias.
E continua:
BN: Podemos afirmar que o mote de sua campanha e de seu mandato, caso seja eleito, passa pela questão da igualdade étnica?
JJ: Para pela igualdade geral, ampla e irrestrita. Como sou de um segmento amplo, todas as políticas que eu vou propor serão focadas na Bahia como um todo. Posso dizer que o benefício será para toda a comunidade baiana. Então, essa não é uma candidatura negra, da comunidade negra, é uma candidatura dos baianos e das baianas.
Conheço o João Jorge há muito, respeito as suas idéias, continuo tendo por ele a amizade de quase 30 anos, mas, desejaria que a candidatura dele ao Senado Federal fosse uma candidatura negra. Por outro lado a expectativa de oferecer uma candidatura negra na Bahia que tem a maior parte de sua população de descendentes de africanos, em grave crise identitária de negação da origem africana é perder votos. O negro baiano se autodenomina em diversas cores epiteliais que vão do quase-branco, chocolate, marrom bombom, moreninho, cor de formiga, mulato, pardo, queimadinho da Ribeira, entre outras.
A candidata Marina afirmou nos Estados Unidos da América quando foi recepcionada como candidata negra, que nunca foi discriminada por ser mulher ou negra. As lideranças não confiam na suas próprias comunidades ou não se sentem inseridas nelas quando ascendem social e politicamente?
FALTA DE CAPACIDADE DE UM PROJETO PRÓPRIO:
As entidades negras não se propõem a criação de um projeto político que possa reverter às dificuldades advindas do Brasil pós-abolicionista. Há muitos problemas gerados pela escravidão e não resolvidos com a abolição.
A falta de um projeto político ocorre pelas inúmeras divisões do Movimento Negro no Brasil e pela falta de maturidade emocional e política dos seus membros. Há o desejo de ser considerado importante, de auto-declaração de liderança, provocando uma autofagia e letargia nas propostas e ações que deveriam beneficiar as comunidades. Nesta luta pelo estrelismo barato que não leva a nada, mas é notado pelas elites, muito negros e negro não servem a sua comunidade, mas, aos interesses pessoais.
André Rebouças, um engenheiro negro, já previa as dificuldades que a abolição traria aos libertos:
Um dos mais combativos abolicionistas, o engenheiro André Pinto Rebouças sabia que com a assinatura da Lei Áurea a abolição da escravatura estaria consumada, mas seria uma vitória incompleta. Para ele, era preciso que aos libertos fossem dadas oportunidades de trabalho remunerado e educação, sem as quais os negros apenas trocariam o cativeiro pela miséria.
Além da universalização da educação básica, Rebouças sustentava que os ex-escravos deveriam receber terras para cultivar. Segundo o engenheiro, tais medidas não apenas garantiriam o sustento dos negros como também contribuiriam para o desenvolvimento do país. Para ele, se a educação formava o homem, o trabalho dignificava, independentemente de sua cor, como sua própria trajetória demonstrava. E o latifúndio, tanto quanto o cativeiro, era sinal de atraso. Não se alcançaria o desenvolvimento, portanto, sem uma reforma agrária ordeira e pacífica.
Interessante de que estamos em um ano de eleições e mais uma vez a falta de projeto político leva o Movimento Negro a ter interesses pessoais pautados nos interesses partidários, e alguns membros chegam mesmo a acreditar que a participação nas formas de poder instauradas são caminhos de mudanças radicais para a maioria da população. O mais incrível são os discursos apresentados de defesa dos partidos políticos e suas propostas para resolver os problemas nacionais. O fator mais interessante é de que as “esquerdas” não se entendem. Ser negro do PT, PC do B, PPS, PDT, PSTU, PCO significa tratar o outro negro como inimigo e ter o branco como o seu maior aliado. Os negros dos partidos da direita são os mais submissos e serviçais e acreditam piamente na democracia racial brasileira.
As divisões partidárias não permitem a criação de um projeto nacional, porque os negros e negras filiados aos partidos devem obrigação as suas tendências políticas e não ao crescimento da solidariedade panafricana. A desigualdade racial no Brasil continua devido a falta de organização política do Movimento Negro, da comunidade negra, de não acreditarmos na nossa capacidades de mudança. O problema fundamental é ainda esperar que os descendentes dos senhores e capatazes nos digam o que fazer e como agir.
Não há liderança negra no Brasil. As discussões sobre os problemas raciais não chegam aos guetos, as favelas, aos chamados bairros de periferias, as igrejas, terreiros... Não chega a minha rua. Já chegou a sua? Não há um projeto político do Movimento Negro e ai está a sua fraqueza.
Observo com interesse os chamados encontros de políticos de chapas representativas com os negros dos partidos, onde vão ouvir as reivindicações do grupo. Interessante seria que os negros dos partidos tivessem mobilização para discutir com todos os membros dos partidos a questão racial, porque o racismo não afeta somente os negros, afeta a sociedade e pessoas, seres humanos praticam e sofrem dessa mazela. O racismo é um problema de todo o brasileiro, onde a vítima é o negro.
Leiam abaixo o texto de Mario Maestri Filho. Maestri discorda das análises do Movimento Negro. Leia o texto e tire as suas conclusões:
13 DE MAIO
A ÚNICA REVOLUÇÃO SOCIAL VITORIOSA NO BRASIL
Nesse 13 de maio, cumpre-se sem glória mais um natalício do fim da escravatura no Brasil, uma das primeiras nações americanas a instituir e a última a abolir a escravidão. Dos 505 anos de história brasileira, mais de 350 passaram-se sob o látego negreiro. Apesar da superação do escravismo constituir o mais significativo acontecimento de passado nacional, o aniversário da Abolição transcorrerá, outra vez, semi-esquecido.
A Abolição já foi data nacional magna, festivamente relembrada e rememorada. Nos últimos anos, profundamente questionada, organizou-se verdadeira conspiração de silêncio em torno dela. Paradoxalmente, a operação recebe o apoio do movimento negro brasileiro que, ao contrário, deveria desdobrar-se na celebração do 13 de Maio e na discussão de seu significado histórico, destruindo as interpretações apologéticas sobre ele.
O caráter cordial, transigente e pacífico do brasileiro já foi um dos grandes mitos nacionais. A abolição da escravatura foi apresentada como prova dessa pretensa realidade. No exterior, o fim da instituição motivara lutas fratricidas. A guerra de Secessão causou quinhentas mil vítimas nos USA. No Haiti, em 1804, a destruição da ordem negreira exigiu a mais violentas guerra social do continente.
No Brasil, a transição teria se efetuado sem violências devido a instituições sensíveis ao progresso dos tempos, a líderes esclarecidos e à humanitária alma popular. Neste cenário de paz e concórdia, brilharia a figura humana de Isabel – a Redentora. Apiedada com o sofrimento dos negros e despreocupada com a sorte do seu trono, ela assinou com caneta de ouro o diploma que pôs fim ao cativeiro.
Em 13 de maio de 1888, começaria a construção de sociedade fraterna e desprovida de barreiras sociais ou raciais intransponíveis. As desigualdades existentes dever-se-iam a deficiências não essenciais da civilização brasileira, enraizada em uma concórdia estrutural entre ricos e pobres, brancos e negros. Ao menos, era o que se dizia.
Pátria incruenta
Acontecimentos pátrios de impar importância, a Independência, a República e a Abolição teriam como denominador comum o caráter essencialmente pacífico da civilização brasileira. Apresentava-se igualmente a essência patriarcal da ordem escravista como corolário da natureza magnânima do homem brasileiro, que quebrantava qualquer confronto de raça, credo e classe.
Com a queda da ditadura militar e a redemocratização, em 1985, a crescente organização popular e o surgimento de entidades negras combativas criaram as condições para desnudar a triste realidade subjacente ao discurso da democracia racial e da fraternidade brasileira. As narrativas laudatórias sobre a Abolição, sobre a escravidão e sobre o caráter democrático de sociedade nacional trincavam-se contra a triste realidade contemporânea.
Em fins dos anos setenta, diante dos olhos mais míopes, desnudava-se situação onde o povo negro constituía a parcela mais sofrida de uma população crescentemente explorada. Revelava-se para os que não se negavam a ver sociedade singularmente violenta onde a pele escura dificultava a conquista do trabalho e facilitava o acesso à prisão, se não ao necrotério.
Desde os anos sessenta, as descrições fantasiosas sobre o passado do Brasil eram refutadas por cientistas sociais como Florestan Fernandes, Octávio Ianni, Fernando Henrique Cardoso, etc. que empreenderam análises mais objetivas, sobretudo da segunda metade do século 19. Porém, em geral, esses autores refutavam o significado histórico do 13 de Maio ao referirem-se à escravidão. Apontavam a inusitada violência do escravismo brasileiro mas definiram a sua superação como um “negócio de brancos”, onde os cativos, principais interessados, não teriam tido papel significativo ou ganhos substanciais naquela superação.
Em fins dos anos setenta, o movimento negro retomou acriticamente essa tese, com o objetivo de melhor denunciar a situação econômica e social da população afro-descendente. Para desqualificar a Abolição, ressaltou-se que se efetuara sem a indenização pecuniária ou fundiária. Que o movimento abolicionista buscava, libertando os cativos, prover-se de mão-de-obra barata. Que após a Abolição, as condições de existência das massas negras teriam talvez piorado, tese defendida, por Gilberto Freyre, sobretudo em Sobrados e mucambos, de 1936.
Para melhor criticar os mitos da emancipação do povo negro em 1888 e da ação magnânima da Regente Imperial, o movimento negro propôs a abominação do 13 de Maio e a celebração do 20 de Novembro como dia nacional da consciência negra no Brasil. Naquela data, em 1695, morria Zumbi, o último chefe da confederação dos quilombos de Palmares.
Encobrindo o passado
Apesar de bem-intencionadas, essas leituras consolidaram as interpretações caricaturais e paternalistas do 13 de Maio, dos ideólogos das classes proprietárias, que procuravam escamotear o sentido e a essência de sucessos nascidos do esforço das massas escravizadas aliadas aos setores abolicionistas radicalizados. Assentou-se assim a última pedra na construção do esquecimento do mais importante acontecimento histórico brasileiro – a revolução abolicionista de 1887-8.
O movimento negro organizado esquecia que celebrar a Abolição não significa reafirmar os mitos da emancipação social do povo negro em 1888 ou de Isabel como promotora da emancipação. Ignorava que comemorar o fim da escravidão significa recuperar a importância da superação do escravismo, através de frente política pluriclassitas, e do protagonismo dos cativos nesses fatos e no passado do Brasil.
Em forma alienada e imperfeita, as comunidades negras sempre intuíram a importância histórica da libertação, em 1888. Apenas nos últimos anos essa consciência diluiu-se devido ao proselitismo anti-Abolição, verdadeira invenção da tradição que resulta em grave perda da memória histórica das classes trabalhadoras e oprimidas, em geral, e afro-descendentes, em particular.
Foi o profundo impacto da Libertação, em 1888, na consciência e na vida dos cativos e libertos que levou o povo negro a rememorar, com tanto carinho, por um século, o 13 de Maio, e festejou, imerecidamente, com devoção, a escravista Isabel de Bragança, herdeira da casa de Bragança, um dos grandes responsáveis pela manutenção do cativeiro no Brasil quase até o século 20.
Em inícios de 1980, Mariano Pereira dos Santos, centenário ex-cativo, apesar de ter vivido como homem livre na profunda miséria, afirmava comovido, semanas antes de morrer, que após a “Libertação”, o povo negro vivera “na glória”. Maria Benedita da Rocha, uma outra ex-cativa, também centenária, referiu-se, arrebatada ao anúncio do fim do cativeiro na sua fazenda. Através do Brasil, nas cidades e campos, em 13 de maio de 1888, os tambores e atabaques ressoaram poderosos ferindo em derradeira vendeta os tímpanos dos negreiros derrotados.
O dia da libertação
A visão do 13 de Maio, pelo povo negro, como concessão da Redentora, não pode ser explicada apenas como resultado da propaganda das classes proprietárias. Constitui a cristalização, alienada e determinada pela ideologia dominante, na consciência popular, de acontecimento de profundo sentido histórico para as classes trabalhadoras escravizadas e toda a nacionalidade brasileira. Ou seja, operação para diluir a memória do protagonismo dos trabalhadores escravizados em acontecimento único no nosso passado.
Não há sentido em antepor Palmares ao 13 de Maio. Apesar de saga luminar, Palmares teve menor significado histórico que a Abolição. Por mais heróica que tenha sido, a epopéia palmarina jamais propôs, e historicamente não poderia ter proposto, a destruição da instituição servil como um todo. Palmares resistiu por quase um século, determinou a história do Brasil, mas foi derrotado. A revolução abolicionista foi vitoriosa e pôs fim ao escravismo, ainda que tardiamente.
Desconhecer o sentido revolucionário da Abolição é olvidar a essência escravista de dois terços de passado brasileiro e o caráter singular da gênese do Brasil contemporâneo, através da destruição do modo de produção escravista colonial. Tal desconhecimento ignora a contradição essencial que regeu por mais de trezentos anos o passado brasileiro – escravizadores contra trabalhadores escravizados – e consolida a falsa visão do cativo como categoria social que jamais alcançou a ser protagonista da história.
Nos anos 1950, autores como Clóvis Moura e Benjamin Péret produziram importantes leituras sobre o agir dos trabalhadores escravizados no Brasil. Nos anos sessenta, Emília Viotti da Costa, Stanley Stein, etc. avançaram significativamente o conhecimento essencial da escravidão. Nas duas décadas seguintes, foram produzidos numerosos trabalhos sobre a sociedade, economia e as formas sui-generis de resistência do cativo, destacando-se entre eles a apresentação em O escravismo colonial por Jacob Gorender do escravismo colonial como modo-de-produção historicamente novo.
Nesses anos, estudos como o hoje já clássico Os últimos anos da escravidão no Brasil, de Robert Conrad, apresentaram a Abolição, em seu tempo conjuntural, como o resultado da insurreição incruenta dos escravos cafeicultores que, nos últimos meses do cativeiro, abandonaram maciçamente as fazendas, reivindicando relações contratuais de trabalho. Tais estudos desvelaram parcialmente a extrema tensão política e social sob a qual o movimento abolicionista radicalizado alcançou a vitória, em 1888, em estreita ligação com a massa escravizada, principal protagonista dessas jornadas.
Instituição terminal
Em 13 de maio de 1888, a herdeira imperial nada mais fez do que, após o projeto abolicionista ter sido aprovado no parlamento pelos representantes dos grandes proprietários, sancionar a Lei Áurea, assinando o atestado de óbito de instituição nos estertores finais devido a sua desorganização pela fuga dos cativos. Durante todo o Primeiro e o Segundo Reinados, os Braganças haviam defendido com unhas e dentes a escravidão, conscientes da aliança que os unia umbilicalmente à classe dos escravistas.
Nos últimos meses da escravidão, os mais renitentes negreiros reconheciam já inevitabilidade do fim da instituição. Defendendo até o último momento o cativeiro, pretendiam apenas criar as melhores condições para reivindicar indenização pela propriedade libertada. Foi devido a essa reivindicação que o ministro republicano Rui Barbosa ordenou a queima dos registros de posse de cativos, pois, sem prova legal, não havia possibilidade de indenização.
Foi igualmente a ação estrutural das massas escravizadas, durante os três séculos de cativeiro, que construiu as condições que ensejaram, mais tarde, a destruição da servidão. Sobretudo a rejeição permanente do cativo ao trabalho feitorizado impôs limites insuperáveis ao desenvolvimento tecnológico da produção escravista, determinando altos gastos de vigilância e de coerção ao regime negreiro que abriram espaços para formas e modos de produção historicamente superiores.
Em 1888, a revolução abolicionista destruiu o modo de produção escravista colonial que, por mais de trezentos anos, ordenara a sociedade no Brasil. Negar estas realidades devido às condições econômicas, passadas ou atuais, da população negra, é compreender a história com preconceitos simplistas, moralizadores e, sobretudo, não históricos. Os limites da Abolição eram objetivos. Nos últimos anos da escravidão, a classe escrava era categoria social em declínio que lutava sobretudo pela conquista dos direitos cidadãos mínimos. Foi a reivindicação da liberdade civil que uniu a luta dos cativos rurais à dos cativos urbanos, então pouco representativos.
Apenas a liberdade
Não procede a proposta que a Abolição não teve conteúdo porque os escravistas não indenizaram os cativos. A estrutura latifundiária das plantações escravistas, a pouca difusão de hortas servis e a liberdade civil como reivindicação central já dificultavam movimento pela distribuição de terras, que exigiria união de cativos, caboclos, posseiros, colonos sem terra, etc., praticamente impossível de ser então concretizado, devido sobretudo ao baixo nível de consciência e organização e à elevada heterogeneidade e dispersão geográfica das classes trabalhadoras rurais. Porém, tal medida foi defendida por setores do movimento abolicionista.
Na limitação das conquistas obtidas quando da Abolição pesou também a verdadeira contra-revolução empreendida pelos grandes proprietários, através do golpe republicano, oligárquico e federalista, imposta em 15 de novembro de 1889, que pôs fim ao movimento abolicionista como projeto reformista nacional. Os limites históricos da Abolição não devem minimizar a importância da conquista dos direitos políticos e civis mínimos para aproximadamente setecentos mil homens, mulheres, jovens e crianças ainda registrados como escravos ou ventre-livres. Com o 13 de Maio, superava-se a distinção entre trabalhadores livres e escravizados, iniciando-se a história da classe operária brasileira como a compreendemos hoje.
Nos anos 90, a derrota histórica do mundo trabalho diante do capital e a euforia neoliberal que apenas hoje perde ímpeto determinaram os destinos gerais da historiografia. No Brasil como alhures, em tempos de Nova História, os holofotes da mídia, o interesse das editoras, o bon ton historiográfico passaram a recomendar temas e estudos monográficos, intimistas, biográficos ou exóticos, tranqüilizadores das consciências e pacificadores dos espíritos. Da ciência que procurava libertar, a história evoluiu à arte de entreter.
Nesse contexto, decaiu o interesse e os incentivos, diretos ou indiretos, para a pesquisa sobre a história das classes subalternizadas e para os estudos analíticos sobre o passado brasileiro. Apequenaram-se os estudos sobre as classes trabalhadoras urbanas, o movimento camponês, os fenômenos essenciais da sociedade humana. Diminuíram sensivelmente as pesquisas sobre a escravidão colonial brasileira que retomaram e refinaram as teses da escravidão benigna e consensual defendidas com singular inteligência e cabotinismo e por Gilberto Freyre.
A história é processo objetivo e complexo, apenas em geral ascendente, onde as conquistas sociais de ontem, parciais e contraditórias, possibilitam conquistas mais substanciais no presente, como podem, igualmente, dar lugar a recuos históricos da marcha civilizacional, que ensejam, necessariamente, o obscurecimento da compreensão do presente e do passado.
A revolução abolicionista foi o primeiro grande movimento de massas moderno, promovido sobretudo pelos trabalhadores escravizados, em aliança com libertos, trabalhadores livres, segmentos médios e alguns poucos proprietários. Até agora, constituiu a única revolução social vitoriosa do Brasil. Resgatando seu sentido e desvelando sua história, prosseguiremos mais facilmente no sentido apontado pelos trabalhadores escravizados que ousaram abandonar as senzalas para pôr fim à ordem negreira, no não tão longínquo ano de 1888.
http://www.espacoacademico.com.br/049/49maestri.htm
5 comentários:
parabens, pela postagem
gostei muito de ler seu material!
tem um ótimo livro que indico para quem desejar conhecer a inserção dos imigrantes no mercado de trabalho no Brasil: Trabalho e Vadiagem. A origem do trabalho livre no Brasil. De Lúcio Kowaric...pode ver o resumo dele no meu blog!
beijosssssssssss
"Portanto viva o 13 de maio como símbolo e conquista históricos da luta negra por uma sociedade multirracial e abaixo o 13 de maio como tentativa da classe dominante em transformar tal data em símbolo da democracia racial brasileira devidamente desmascarada pelas contradições cotidianas existentes em nossa sociedade."
Amei essa frase do comentário que foi postado no texto anterior por engano (creio eu) Mas, enfim, que expressou exatamente aquilo que o 13 de maio representa para nós.
E o texto, sem querer desmerecer em nada os outros, é um dos mais interessantes que já li aqui, porque mexeu com nosso passado, nossa história recente, nossa identidade de povo também subjetiva. Sim subjetiva! Porque, nosso sentimento fica dividido no 13 de maio como demonstrou o texto. E quando vieram as comemorações do 20 de novembro nos dividimos internamente um pouco mais. (Qual é a data mais importante para nós enquanto povo negro! As duas? Ignorá-las? Comemorar timidamente? Ou a plenos pulmões?)
As brincadeiras da escola é um fato. Eram muitas e eu tinha mais pavor desta: "Olha que a Lei Áurea foi assinada a lápis, hein!" quem já não ouviu isso a várias vezes.(farei um comentário à parte:) Por incrível que pareça ouvi isso ha um mês de um Mestre/Doutor na Escola Dominical da Igreja na qual congrego. Era uma reunião de peso e ele tentou criar ali um momento de descontração (muito legal se descontrair constrangendo o próximo, né?). Éramos 10 negros presentes e, como os demais (eu era a única mulher) abaixaram a cabeça, pela primeira vez na minha vida diante de supostas "autoridades institucionais instituídas" (olha que orgulho! rs) eu respondi com um pequeno discurso sobre as condições políticas e históricas nas quais a Lei foi assinada. O professor (Doutor) ficou vermelhíssimo e concordou, não fez mais brincadeiras desse tipo. Mais tarde me parabenizou pela pequena exposição sobre o tema, mas me convidaram a fazer parte de outra classe. Aceitei diplomaticamente, pq preciso estar em lugares nos quais ou possa falar para outros negros cristãos. Eles e outros me cumprimentam com muito respeito e empatia, acho q falei o q eles não poderiam devido a serem membros antigos, talvez até acostumados a tais brincadeiras!(terminei o comentário à parte rsrs)
Obrigada Walter pelo exemplar trabalho que vem desenvolvendo com este Blog. Quanta coisa mudou em minha consciência desde aquela primeira reunião presencial aqui em São Paulo!... e dos textos, livros, artigos, etc. que tenho lido sobre o tema! Gostaria que todos os negros tivessem acesso e pudessem, através da informação e discussões, iniciar esse processo de libertação. Leiam, escrevam falem...só assim poderemos dar início a esse processo interno.
É assim como voces mesmos do CNNC descreveram muitas vezes, é um processo, é uma caminhada, onde vamos aos poucos nos conhecendo e reconhecendo; nos afirmando, desde as coisas mais simples às coisas mais complexas que um dia hão de se transformar neste país, eu creio! Creio que é isso que Jesus/yeshua quer de nós. Mas tem que começar de dentro para fora. Não pode ser de outra maneira, desconstruindo estigmas, símbolos, estereótipos que vão sendo colocados em nossas mentes desde que (lá na infância) começamos a nos socializar.
Tento ser breve, mas nunca consigo, mesmo revisando e enxugando o texto, ainda fica quase um livro. kkkk
É isso aí!
FELIZ 13 DE MAIO, POVO PRETO!!!!! \O/
Gostei muito da postagem, mas o artigo do Maestri abriu mais os meus horizontes para compreensão do que acontece hoje nas relações de trabalho, dos movimentos dos sem terra, dos sem casa, dos sem "algo", dos excluídos do nosso país.
Penso também que ficar de pires na mão ... sei lá.
Como uma única "contagem" da História nos faz ficar tão dependentes e reféns das elites dominantes.
Que bom que temos hoje várias possibilidades de divulgar, interagir, escutar, escrever, ler, contar...a nossa História.
Abraços fraternos!
Ângela.
(((A amiga da minha mãe se enganou.)))achei de mais !!!! este pais e uma epocrisia que me da vergonha , eles conseguiram tampar o poblema etnico com a falsa democracia racial , que me deixa nós nervos , olha conheço vairos amigos mestiços e com este não tem jeito vão ficar em cima do muro enguanto não haver uma educação etnia e racial para eles ,são assim : e o lado negro esta bom eles ficam do lado negro , se o lado branco ta bom eles vão para o lado branco , e muitas vezes por se acharem negro , se casam com bracos(a) para se libertarem da estigma de negro , hoje estou namorando uma, e vejo como e conflituoso para ela falar sobre este tema , mas tenho certeza que ela vai me entender ,
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