sábado, 15 de dezembro de 2007

KWANZA: CELEBRAÇÃO AFRICANA

Por: Ulisses Passos. Acadêmico de Direito, Pan-Africanista e Presidente do CNNC/BA. Pseudônimo: Aswad Simba Foluke
Kwanza é uma celebração dos pretos e pretas norte-americanos, com enfoque sobre os valores Africanos da família preta, da responsabilidade comunitária, o comércio, e a auto-gestão. Kwanza não é um feriado político, ou religioso, mas um momento a celebração do povo preto, dos nossos antepassados e da nossa cultura.
A palavra Kwanza é derivada da frase em Kiswahili ‘Kwanza do Ya Matunda’, que significa ‘Primeiros Frutos da Terra’, fazendo menção aos primeiros frutos em África.
A princípio, a Kwanza era uma festa comemorada no continente africano, na tradição dos povos africanos de reservar determinada época para festejar a fartura da colheita, e juntos cantar, dançar, comer e beber e comemorar a colheita das primeiras frutas e vegetais. Traria os primeiros alimentos que cresceram ou iguarias que faziam destes para a festa.
Seu fundador é Ron Karenga, conhecido também com Ron “Maulana” Everett, Maulana significa o professor Mestre, em Kiswahili. Karenga foi o primeiro preto a estudar na Universidade da Califórnia, onde aconteceu realização da primeira Kwanza no ano de 1966.
A festa do Kwanza é comemorada durante sete dias, a partir do dia 26 de Dezembro até o dia 01 de janeiro, ligada pela luta dos direitos civis nos U.S. A nos anos de 1960. Foi estabelecido com o objetivo de reconectar os africanos em diáspora com suas características ancestrais e culturais, embasado nas tradicionais festas africanas. Karenga também afirma que a festa do Kwanza não é uma substituição a feriados religiosos e sim uma festa em que os pretos e pretas possam comemorar a semelhança de como faziam nossos ancestrais antes de serem seqüestrados pelos Europeus Caucasianos.
O Kinara é o centro do parâmetro da Kwanza e representa o estado original pelo qual viemos: nossos ancestrais. Também está dividido em sete princípios do Kwanza, conhecidos também como Nguzo Saba. O Kwanza se tornou a manifestação cuja filosofia é à recuperação das tradições e razões dos nossos ancestrais perdidas, com ênfase na união comunitária entre os pretos do mundo, movimento político hoje conhecido como PanAfricanismo.
Os sete princípios do Kwanza, cada um deles comemorados em um dia dos sete da festa, são:
UMOJA – Significa unidade, e representa manutenção da unidade na família, na comunidade, na nação e na raça.

KUJICHAGULIA – Significa Autodeterminação, representa os valores de determinação que o povo preto deve apresentar para resolver as questões que nos afligem.

UJIMA – Significa Trabalho Coletivo e Responsabilidade, Construção conjunta e manutenção da nossa comunidade unida para fazer nossos problemas da irmã e dos irmãos nossos problemas e para resolvê-los junto.

UJAMAA – Significa Economia cooperativa, para construir e manter nossas próprias lojas, supermercados e outros negócios e para comercializar junto com nossos irmãos e irmãs pretas.

NIA – Significa Finalidade, almeja a construção do coletivo e tornar-se de nossa comunidade a fim restaurar nossos povos a sua grandeza outrora tradicional.

KUUMBA – Significa Criatividade, tem por objetivo fazer sempre quanto nós pensemos ser necessário, a nossa maneira, a fim deixar nossa comunidade mais bela e benéfica do que quando nós a herdamos, sempre buscando a melhoria do povo preto.

IMANI – Significa Fé, para acreditar com nossos corações em nosso povo preto, nossos pais, nossos professores, nossos líderes e a vitória de nosso esforço.
Esta citação é feita no início da celebração da Kwanza:
‘Para nossa Terra-Mãe, África, berço da civilização.
Para os antepassados e seus indomáveis espíritos
Para os idosos a partir dos quais podemos aprender muito.
Para os nossos jovens, que representam a promessa do amanhã.
Para o nosso povo, as pessoas originais.
Para a nossa luta e na lembrança daqueles que têm lutado em nosso nome.
Para Umoja, o princípio da unidade, que deve nortear tudo o que fazemos.
Para o criador, que fornece todas as coisas grandes e pequenas’
Sendo este um momento propício para reflexão e inserção do Kwanza em nosso calendário comemorativo, tendo em vista que nenhuma festividade será comparada à Kwanza, em que realmente podemos refletir sobre a situação do nosso povo preto.
Por isso que o CNNC/BA (Conselho Nacional de Negras e Negros Cristãos/BA), vai realizar sua primeira Kwanza no CDCN ( Conselho de Desenvolvimento da Comunidade Negra), localizado na rua do Paço, às 17 h do dia 25 de dezembro.
E que jamais possamos esquecer esses sete princípios que configuram o ideal da Kwanza, que sejam enraizados nas nossas mentes e principalmente em nossas ações.

sábado, 8 de dezembro de 2007

O BOM VELHINHO BRANCO E O MAU VELHINHO PRETO









Por Walter Passos. Teólogo, Historiador, Pan-africanista, Afrocentrista e Presidente CNNC – Conselho Nacional de Negras e Negros Cristãos. Pseudônimo: Kefing Foluke. E-mail: kefingfoluke@hotmail.com


Recordo-me dos diversos natais da minha infância na Igreja Presbiteriana, e sempre via lamentos e lacrimejos de meninas pretas por não poderem representar nas peças natalinas: os anjinhos. Criança adora participar e ser anjinho no natal, pois aumenta a auto-estima e a insere no vivenciar místico da religiosidade cristã, onde os anjos têm um papel fundamental como mensageiros de Deus, e muitos fiéis erradamente acreditam que um dia se transformarão em anjos na Glória Celestial.
Quando criança participei de diversos funerais de “anjinhos” pretos em caixões brancos, sendo apenas considerados anjinhos as crianças pretas após a morte. Eu acreditava piamente que se tornaram anjinhos, mas, nunca presenciei anjinhos pretos e vivos na igreja.
O tempo passa e a festa natalina continua nas igrejas como sendo a mais pomposa do ano, festejando o nascimento de Jesus Cristo, com seus presépios e dezenas de cânticos:
-Pinheirinho que alegria..
- Nasce Jesus...

E por ai vai, sendo mais alegres as crianças, que vivem sonhos e os transformam em fantasias. Mas quais os sonhos e fantasias repassadas e ensinadas para as crianças pretas?
Este ano já comecei a receber felicitação natalina e evidente que não vou responder. Vejo sempre no Orkut, pretos que mudam as suas fotos e colocam a de Papai Noel, o bom velhinho. Ficam até engraçados, por assim não se dizer ridículos, pretos de Papai Noel e Papai Noel Pretos, já começam a aparecer em alguns shoppings, tudo pelo consumismo para atrair o 13º salário da população, mas, felizmente, são poucos pretos de Papai Noel e abaixo vocês entenderão o por quê.
Todo estudante da História da Igreja sabe que a festa de Natal é uma adaptação da Igreja Romana, no século IV d.C, aos cultos ancestrais europeus que referenciavam o deus Sol, que era comemorado no dia 25 de dezembro, e nada tem haver com o Cristianismo de Matriz Africana. Contudo, tudo que vem do Norte é considerado sagrado, até os demônios natalinos também. Não podemos esquecer que o mal vem do Norte.
A palavra Natal vem do termo latino “Nativitas”, o mesmo que Nascimento, sendo o dia 25 de dezembro uma data referente a comemoração ao solstício de inverno e não tem nada haver com a data de nascimento de Jesus Cristo, e Papai Noel uma invenção européia reforçada na Contra-Reforma Católica, do bom velhinho que distribuía presentes no dia 25 de dezembro.
As crianças no início de sua formação são atingidas pelos meios de comunicação, religião, família e especialmente a escola e fortemente influenciadas por toda a existência.
Os autores brasileiros estereotiparam as personagens pretas como "Bertoleza", de Aluísio Azevedo e as diversas gerações foram influenciadas com Monteiro Lobato escritor de personagens como a de tia Nastácia, uma idosa preta, solteira, cozinheira, medrosa, analfabeta e abobalhada que servia de chacota para as crianças e adultos:
- Deus me livre de entrar num quarto onde há garrafa de saci dentro! Credo! Nem sei como dona Benta consente semelhante coisa em sua casa. Não parece ato de cristão…
(LOBATO, Monteiro. O Saci in Obra infanto-juvenil de Monteiro Lobato, v. 2)
Bestializada ao invés de lábios, beiços grandes, sempre assustada e medrosa, quituteira e em alguns casos "vilã", quando o assunto é o porco Rabicó
- salvo da panela por Narizinho..
Supersticiosa, a tudo esconjura com um "cruz-credo". Ou, como resumiu Emília, num raro elogio:
-Tia Nastácia é uma danada!
- "A boa negra deu uma risada gostosa, com a beiçaria inteira"
Por outro lado a Dona Benta de formação cultural eurocentrada demonstrava conhecimentos e bondades nunca existidos nas mulheres brancas em relação ao povo preto na real história brasileira.
E também o tio Barnabé, um preto idoso de mais de 80 anos, que contava histórias e não passava de um preto bobo.
Na tradição de muitos contos brasileiros os idosos e idosas pretas são considerados violentos e assustadores. Na minha infância, eu tive medo do velhinho do Saco que seqüestrava as crianças, retira o fígado e comia. Isso me dava medo de idosos brancos porque eu sabia que os idosos pretos não assustavam, eu os chamava carinhosamente de vovô ou de vovó. Recordo-me da vovó, uma senhora que era zeladora de umbanda, assim diziam, mas, todos e todas pediam a benção e eu fazia o mesmo, ela era carinhosa e bondosa. Nunca tive medo de idosos pretos e pretas, mas tinha medo dos idosos brancos, hoje sei que eles deveriam ter medo das crianças pretas, sempre me olhavam assustados e temerosos.
Como citado, à população preta é sempre estereotipada, podemos ver no poema racista, relacionado ao mulatismo e a mulher preta, em “Sobre Mulatas Orgulhosas e Crioulos Atrevidos”: conflitos raciais, gênero e nação nas canções populares (Sudeste do Brasil, 1890-1920):
A branquinha é prata fina
Mulata – cordão de ouro
Cabocla – cesto de flores
A negra – surrão de couro
A branca come galinha
Mulata come peru
Cabocla come perdiz
A negra come urubu
Dentro desse modelo racista, inclusive os Idosos Pretos também foram atingidos. O Idoso do Surrão, ou Negro do Surrão, é citado dentro do Clássico de Gilberto Freyre Casa-Grande & Senzala (pág. 458 da 9.ª edição brasileira), como um estereótipo do Idoso Preto, que maltrata as crianças, matava, esquartejava e as comia. Conforme descrita em canção popular:
Canta, canta
Meu surrão
Que eu te dou
Com este bordão.
É mister, desmascarar o que tem sido ensinado de geração em geração, onde o Idoso e Idosa Pretas são àqueles do qual as crianças pretas devem temer, enquanto, o bom velhinho, Papai Noel, branco e gordo, é aquela do qual devem esperar presentes e fazer pedidos no Natal.
À crença no Papai Noel, idoso branco, bondoso, carinhoso, justo, presenteador, em contraste com o Idoso do Surrão, preto, sujo, mal, seqüestrador e assassino, faz com que as crianças percam o respeito à ancestralidade, o carinho, pelos idosos e idosas pretas e as crianças brancas aprendem o preconceito e a falta de respeito pelo povo preto.
Devemos empretecer e abandonar os conceitos racistas que os brancos introduziram na nossa comunidade, perfazendo novas leituras e interpretações das lendas e mitos construídos e/ou introduzidos na comunidade Preta em território brasileiro, baseados em pensamentos racistas, em outras palavras, mitos discriminatórios planejados dentro e pós-regime escravagista.
O Velho do Saco, na verdade é o Idoso do Surrão o qual trabalhei em meu livro infantil: O Boi Mandingueiro e o Saci.
Fiz no meu livro uma desconstrução de personagens pretas como o Saci que tem duas pernas, não sendo mutilado e nem viciado em tabaco, uma criança amiga de todos na floresta.
O Idoso do Surrão, um griot guardador das tradições e protetor de todas as criancinhas, que traz no saco frutas e remédios da floresta.
“Esse Idoso era amoroso, cheio de netinhos e netinhas... Era um médico ancestralista africano, que conhecia as ervas a terra, a água e todas as forças da natureza. Amava todas as pessoas e só fazia o bem. No surrão levava frutas e doces para as criancinhas assenzaladas, e receitas da floresta para curar as doenças de todas as pessoas”. [extraído do livro O Boi Mandingueiro e o Saci, de Walter Passos].
A nossa história ancestral é detentora de tradições africanas de respeito aos idosos e idosas em todas as culturas. Nós, pretas e pretos cristãos, devemos nos assenhorear da história, falarmos para as nossas crianças pretas, que Papai Noel nada tem a haver com o Yeshua, que Papai Noel é uma invenção branca e demoníaca, e serviu e serve para o capitalismo norte-americano, foi o chamariz das grandes vendas de coca-cola em 1930.

O grande fator interessante é a perseguição a tudo que é de origem africana: as nossas culturas ancestrais; as reelaborações de cultos de matriz africana; as línguas dos nossos antepassados, mas, a manutenção dos demonismos do norte é mantida e não contestados dentro das igrejas cristãs, e infelizmente perpetuados por lideranças pretas de diversas religiões. O CNNC/Ba não festeja o Natal e desde o ano passado adotamos a Kwanza como celebração e lembrança das nossas origens africanas.
Recordemos que a nossa ancestralidade é de respeito aos idosos e idosas e que sejamos verdadeiros griots para as nossas crianças.



Que Yeshua nos abençoe e tenhamos um belo Kwanza a partir do dia 26 de dezembro !

terça-feira, 4 de dezembro de 2007

SEM IGUALDADE NÃO HÁ DEMOCRACIA RACIAL


Valdir C. Estrela. Coordenador de Assuntos Educacionais da União de Negros pela Igualdade/BA (UNEGRO), Sociólogo, Professor de História e de Filosofia.
Recentemente lançado no mercado pela Editora Nova fronteira, o livro Não Somos Racistas, de Ali Kamel, diretor executivo de jornalismo da Rede Globo, levanta a seguinte tese principal: As ações afirmativas são uma resposta irracional para um problema fictício – o racismo institucional brasileiro.
O autor vê o Estatuto da Igualdade Racial como um exercício de discriminação racial chancelado pelo Estado sob a pressão de um determinado movimento social. Considera a proposta de cotas como falácia e diz que os seus defensores negam a miscigenação como dado central da sociedade brasileira.
Kamel classifica de excludentes essas propostas, pois deixam de fora 19 milhões de brancos pobres, e questiona até a situação dos mulatos de pele clara nesse processo.
Para ele, o Estatuto da Igualdade Racial é uma receita para que os cidadãos brasileiros recebam tratamento desigual por parte do Estado.
Afirma que a pobreza não discrimina: atinge brancos, negros, mulatos. Em seguida, se contradiz ao reconhecer que “Negros e pardos são maioria entre os pobres porque o nosso modelo econômico foi sempre concentrador de renda: quem foi pobre (e os escravos, por definição, não tinham posses) sempre esteve fadado a continuar pobre”.
No final, é ele quem se arvora a dar a receita: políticas universais inclusivas, especialmente investimentos consistentes em educação.
Mas a sua grande pérola é a afirmação de que a idéia de um Brasil racista foi inventada a partir dos anos 1950 por cientistas sociais como Florestan Fernandes e Fernando Henrique Cardoso. Foi em consonância com sua obra Capitalismo e Escravidão no Brasil Meridional que o próprio FHC, quando presidente, implementou as primeiras políticas de “ação afirmativa” no funcionalismo público.
Ao comentar o livro, a revista Veja, edição 1969, com base nos argumentos de Ali Kamel, exige dos parlamentares que comporão a próxima legislatura do Congresso Nacional que “coloquem um ponto final nessa escalada, recusando o Estatuto da Igualdade Racial”, e ainda recomenda como salutar a todos a leitura de Não Somos Racistas. A quem interessar possa, a brochura em questão está à venda nas melhores casas do ramo.
O autor, que me parece, é de origem judia, – e ainda que não seja – que eu saiba, nunca escreveu nada questionando a reparação reivindicada e deferida a favor dos judeus massacrados durante a barbárie nazista, que durou menos de 20 anos. O extermínio negro na África e na diáspora durou quase 500 anos. Mas isso não faz a menor diferença. Ou faz, Sr. Kamel?

PRETAS POESIAS

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Poemas de amor ao povo preto: https://www.facebook.com/PretasPoesias