segunda-feira, 20 de agosto de 2012

CRISTIANISMO E COLONIALISMO - CONVERSÃO E NEGAÇÃO DA ANCESTRALIDADE




Por Walter Passos - Historiador e Afrocentrista

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"Quando os sacerdotes brancos chegaram à África, nós tínhamos a terra e eles a bíblia. Os brancos nos deram a bíblia, e disseram que rezássemos com os olhos fechados. Quando abrimos os olhos, eles tinham terra e nós a bíblia."
- Jomo Kenyatta.


A opção religiosa é “subjetiva” e há um ditado que diz: religião não se discute. No que tange aos africanos e as religiões impostas na África e aos descendentes sequestrados no infame tráfico negreiro: religião se discute. Porque foram atos de extremas violências físicas e psicológicas.

A imposição do cristianismo aos africanos e descendentes foi uma das maiores mudanças culturais da história da humanidade. Para os africanos o pensar e viver religioso se baseia na solidariedade e na comunidade, práticas antagônicas ao cristianismo embasado na individualidade e prosperidade pessoal.

Fui censurado por pretos cristãos ao ter feito um comentário de que o colonialismo e cristianismo são farinhas do mesmo saco. Ora, é necessário ter o mínimo de conhecimento histórico para compreender que o colonialismo e o cristianismo foram e são responsáveis diretos de transformações em todas as regiões que os europeus invadiram, é de fundamental importância entender também de que o judaísmo, na opressão aos africanos, foi peça fundamental na ideologia do tráfico e lucro com a escravidão.
A complexidade do colonialismo e seus mecanismos de apropriação das riquezas necessitou impor um novo modelo religioso, baseado no monoteísmo pagão, na maldição e destruição psicológica dos povos conquistados. Instrumentos ideológicos foram trabalhados para serem impostos objetivando aos africanos aceitarem o poder do branco europeu e formando mentes submissas a dominação. Neste bojo a ideologia se pautou em atacar o africano nos seus conceitos do sagrado utilizando a propaganda terrorista de superioridade branca, a educação europeia e a religião cristã.

O cristianismo foi o braço ideológico do colonialismo, através dos missionários católicos e protestantes as nações brancas colonizadoras puderam afetar culturas milenares que possuíam rituais belíssimos de nascimento, casamento, morte e especialmente o contato com os ancestrais, estes foram rituais banalizados e demonizados. Com a ideia de civilização superior os missionários criaram divisão e discórdia utilizando o instrumento ideológico, e gradualmente mudou a mente do povo africano e fez-lhes ver a sua religião como superstição e atraso civilizatório, apregoando a beleza e superioridade do deus cristão e a inferioridade das diversas concepções de deus na África. Não foi uma atitude simplesmente de missões religiosas, internamente mostrava ao africano a sua inferioridade, sujeira e pobreza espiritual, ao contraponto da superioridade, pureza e riqueza do deus branco conquistador.
Um dado interessante é quando converso com africanos cristãos no Brasil sobre as suas línguas nativas, porque se comunicam bem com as línguas dos dominadores cristãos, impostas como oficiais sejam falantes de inglês, francês ou portugues. Noto sentimentos de tristeza e medo decorrentes de todo um processo ideológico de ruptura com o mais sagrado de um povo: a língua dos ancestrais. Belíssimos são as explicações de certas frases e palavras que um irmão africano compartilha em algumas línguas africanas de seus pais e da sua infância. Conceitos de rara beleza sobre o Ser Supremo e divindades ancestres que foram demonizadas e até proibidas de serem pronunciadas porque o processo de catequese e evangelização as considerou satânicas. Proibir a língua de um povo é a maneira mais eficaz de dominá-lo.

Os descendentes de africanos nas Américas não puderam manter as suas línguas nativas e somente nas religiões de matrizes africanas que são as maiores expressões de resistência nas Américas, às línguas foram mantidas com extrema dificuldade, perseguições e adjetivadas como línguas do Satanás. Por isso a minha estranheza e ao mesmo tempo entendimento da tristeza e medo de alguns cristãos africanos e de pretos brasileiros cristãos a se referir a línguas ancestres.

A colonização e o cristianismo conseguiram através do imperialismo cultural ocidental atingir os rins e afetar o fluxo sanguíneo da vida dos africanos cristãos e descendentes através da negação de seu poder de comunicação simbólica das línguas maternas. Obrigando-os a pensar e crer a maneira branca e repudiar os milenares conceitos epistemológicos e metafísicos ao aceitar a ideologia dos europeus cristãos, sendo uma das principais tarefas dos missionários substituir crenças e valores tradicionais, especialmente às línguas nativas com as escolas das missões e formais dedicadas a preparar uma elite conivente e participativa de propagar como correta os novos conhecimentos dos colonizadores e defendê-los contra reações libertárias do seu próprio povo.

Conversando com um amigo africano ele me disse: conversão é renegar o passado dos seus pais, é abjurar a ancestralidade. Então se torna necessário tirarmos ilações sobre a conversão da população preta ao cristianismo e as consequências sociopolíticas e culturais. Dentro da concepção cristã a conversão é a mudança radical psicológica de vida, um processo de mudança total, tomada de consciência dos pecados e um renascimento para uma nova vida ao aceitar a concepção cristã europeia de deus. Os europeus tratavam os africanos como subespécie humana, um elo entre o macaco e o ser humano, uma criança incapaz de gerir o seu próprio destino. A ciência e a religião aliadas propagaram para os europeus a inferiorizarão do africano, através de uma pseudociência, as bulas papais e teologias reformadas postulavam de que o africano foi predestinado a servir a civilização branca ocidental.
Há um texto dos evangelhos que diz: Em verdade vos digo que, se não vos converterdes e tornardes como crianças, não entrarão no reino dos céus. Na concepção colonizadora o africano estava abaixo de uma criança, nos ensinamentos darwinistas: uma subespécie, pronta para receber a lavagem cerebral e sem defesa para as manipulações dos missionários e inaptos para o poder da cruz e da espada. Para o colonizador a genuína conversão inclui toda a personalidade de uma pessoa: intelecto, emoções e a vontade. Estes pontos foram aplicados a nações na implantação do cristianismo.

Na África e nas Américas a continuidade do cristianismo tem sido devastador, a destruição das culturas ancestres continua bem real. E atualmente com africanos convertidos, tornando-se líderes de igrejas neopentecostais ou em igrejas oriundas no próprio continente. Nas Américas, o preto convertido se tornou o maior inimigo da sua própria ancestralidade e um cristão apto e contribuinte da continuidade missionária.
Atualmente o processo neocolonizador cristão assumiu uma roupagem mais perigosa conhecida como inculturação, táticas usadas por algumas igrejas cristãs de manter e levar a ideologia branca a comunidades tradicionais, com um novo discurso de acolhimento as práticas milenares e não cristãs. As “táticas” de inculturação são símbolos de manipulação identitária, destruição cultural e apropriação das riquezas na África e de seus descendentes nas Américas.

Quando refletimos a conversão ao cristianismo podemos fazer uma viagem ao passado dos ancestrais e rememoramos o que aconteceu: invasão, destruição, mudanças econômicas e territoriais, escravidão e perca da ancestralidade. Não são recordações que tragam felicidades. Se viajássemos no tempo e retornássemos ao viver dos nossos ancestrais os encontraríamos com suas concepções teológicas de vida e morte equilibradas.

Pois no cristianismo nós encontramos uma história de tristeza, sequestro, de aprisionamento de uma guerra religiosa onde nossos ancestrais foram forçados a aceitar o pensamento do homem branco. O encontro do nosso povo com o cristianismo foi um encontro de morte e não de vida. O reencontro do nosso povo com a ancestralidade é uma ressurreição da morte branca para a vida preta plena.

Torna-se necessário voltarmos a ter dignidade e respeito à história dos nossos antepassados e suas concepções teológicas e entendermos que para os africanos e seus descendentes o cristianismo deixou um legado de milhões de mortes, destruição de diversas culturas e civilizações. Não adianta propagar que o deus cristão não faz acepção de pessoas, porque o deus do cristianismo criado em Roma, e posteriormente mascarado com a Reforma Protestante é o mesmo: ditando tudo para o africano, tomando posse das suas riquezas roubando a sua existência.

CONGO-THE BRUTAL HISTORY


As igrejas não mudaram e as teologias apesar dos enfeites libertários com o surgimento de igrejas pretas e teologias pretas, são máscaras brancas em pele preta. Eu tenho sérias restrições aos cristãos católicos e protestantes pretos porque representam a opressão e a escravidão e não entendo nessa “redescoberta”
teológica como pessoas tão inteligentes (teólogos (as) pretos defendam as religiões impostas pelo colonizador com tanta dedicação e amor.

Recordo-me em um debate que um teólogo preto americano disse que eu não iria para o céu com os cristãos. Eu não quero ir para o céu com representantes daqueles que nos ameaçaram com o inferno por causa das nossas crenças originais. Fiquei feliz porque não vou para o céu branco pregado pelos cristãos.


Reaja Povo Preto mantendo vivos os ensinamentos dos ancestrais!

  
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3 comentários:

Junior disse...

parabéns Irmão Walter! fogo em Roma!!!

Érika disse...

Meu caro, seu texto foi muito bem escrito, parabéns. Mas acredito que há certos equívocos.

Me pareceu que você considera todos os africanos convertidos ao cristianismo vítimas da alienação imposta pelo povo branco. Decerto, isso não é verdade.

É necessário entender que todo povo, de todas as etnias, é livre para mudar de religião quando quiser. Tanto os brancos podem se tornar adeptos de religiões afros, como os negros podem se tornar adeptos de religiões europeias e afins. Afirmar o contrário seria pregar um novo apartheid.

Porém, é fundamental que saibamos quais as condições para essa escolha. Essa escolha religiosa não pode nunca ser baseada em opressão e violência. O homem deve ser livre para escolher o que quiser pensar.

Abraços.

Unknown disse...

uma coisa é ser livre, e outra é ser imposta...ou se converter a algo que os nossos antepassados foram a aceitar

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