A história escrita pelo modelo de sociedade patriarcal, machista, sexista, autoritário e branco omite a participação das mulheres e quando o fazem, colocam-na como procriadoras e subservientes, a serviço exclusivo dos homens.
Não sendo eu um rastafári as minhas observações e ilações virão de uma análise superficial, convido as mulheres e homens rastafáris e a comunidade preta para um devir mais acurado da posição da mulher no rastafarianismo. E falar de gênero é esmiuçar relações sociais de poder onde está inserido o saber, a linguagem e o corpo; na criação e divulgação de estereótipos e na violação da alteridade.
Conversei com algumas irmãs e fiz leituras de artigos, convido-vos a realizarmos um olhar sobre a mulher no rastafarianismo, onde tentarei analisar alguns ângulos indicativos da predominância do homem, deixando em desequilíbrio os gêneros o que implica em perdas relevantes para a formação das pessoas, a formação educativa das crianças, a compreensão do mundo e da vida, refletindo-se na convivência diária na busca do viver panafricano e afrocentrado.
Compreender como o poder da linguagem androcêntrica, a não equidade das posturas, a negação da partilha dos saberes e a opressão das emoções, dentro do rastafarianismo, são temas amplos, portanto, que não pode ser esgotado em um artigo de blogger.
É de suma importância salientarmos a posição das mulheres pretas nas organizações que se propõem libertárias dentro do sistema babilônico opressivo; a mulher preta é o principal baluarte e mantenedor de esperanças, quando voltamos aos estudos do tradicionalismo africano, lá encontramos sem nenhuma dúvida como gestora do equilíbrio: a mulher preta. Hoje a função do pensamento afrocentrado e panafricanista, em redescobrir olhares e posições, a questão de gênero torna-se fundamental na compreensão da busca para Zion.
É necessária a libertação mental objetivando desenvolvermos uma relação verdadeiramente amorosa, solidária, paritária e respeitosa entre os gêneros.
Muito admirável é o tratamento honorifico prestado pelos homens às mulheres as chamando de rainhas ou irmãs, especialmente em homenagem a grande mulher preta da Etiópia, Majestade Imperial Imperatriz Menen, esposa do Imperador Haile Selassié.
Para a sua análise algumas regras difundidas pelo rastafarianismo sobre a “posição das mulheres” na organização:
MULHER NYABINGHI
A mulher nyabinghi deve reger-se pelos princípios rastafari, durante o encontro as mulheres têm como responsabilidade cuidar das crianças e ensinar-lhes os princípios rastafari. A mulher Nyabinghi não toca o tambor durante o encontro mas pode tocar alguns instrumentos de percussão. Deve manter uma postura modesta durante o encontro, não usar calças e manter o cabelo coberto. Como H.I.M. (Selassie) é o Ser supremo do encontro Nyabinghi , a rainha deve reconhece-lo como tal, em caso de conflito com o seu companheiro também deve recorrer à ajuda dos padres para em conjunto e de um modo privado e construtivo encontrarem a solução do problema.
Durante o seu período de menstruação a rainha/sister Nyabinghi não deve comparecer nos encontros, quando a mulher Nyabinghi tem um filho não deve estar presente nos encontros durante 3 meses e no caso de filha o período é de 4 meses. A mulher Nyabinghi deve abster-se das condutas imorais, adúlteras e que, no geral, vão contra os princípios de JAH. Deve manter-se longe do álcool, carne, drogas e toda alimentação não Ital, tem de estar longe de actividades corruptas e criminosas e como uma verdadeira filha de JAH rastafari deve pugnar pela paz. A mulher Nyabinghi pode usar jóias, mas não pode furar as orelhas, porque é contra a vontade de JAH.http://redmeditation.vilabol.uol.com.br/rascultura/rastafarianismo.htm
Mulheres no Rastafarianismo:
O papel das mulheres Rastafari
· Mulheres são conhecidas como Rainhas
· O principal papel da mulher é cuidar de seu Rei
· As mulheres são consideradas subordinadas aos homens
· As mulheres são consideradas como dona-de-casa e cuida das crianças
· As mulheres não devem cometer infidelidade
· As mulheres não são chamadas de Rastafari, senão por seus maridos
· Mulheres não podem ser líderes
· Os homens são os chefes espirituais da família
· As mulheres não devem cozinhar para seus maridos quando estiverem menstruadas
· As mulheres não devem usar maquiagem, vestir roupas promíscuas, ou usar produtos químicos em seus cabelos
· As mulheres não devem usar controle de natalidade, uma vez que é considerada uma tática européia para reprimir o desenvolvimento da população Africana. Isto se baseia no Antigo Testamento na profecia que "As sementes de Israel será inumeráveis '
· As mulheres também devem se abster do aborto que é considerado crime
· As mulheres devem cobrir os cabelos para orar, em consonância com o ensinamento bíblico em 1 Coríntios 11:5: "E qualquer mulher que reza ou proclamar a mensagem de Deus no culto público sem nada na cabeça desacredita o seu marido..."
http://www.bbc.co.uk/religion/religions/rastafari/beliefs/women.shtml
As vozes de mulheres pretas tem questionado posturas machistas que usam indevidamente a Bíblia e textos paulinos para a manutenção da opressão feminina, que é anti-bíblico e anti-africano.
A cantora de reagge Sister Carol declarou:
Diversos fatores contribuíram para o aumento da deformação patriarcal através da escravidão, colonialismo, imperialismo e neocolonialismo afetando a África pós-colonial e as relações entre gênero na diáspora forçada, sendo repetidos, infelizmente, na família preta e em diversos setores do Movimento Negro.
A igualdade entre os sexos é uma característica típica das mais antigas e equilibradas sociedades, de acordo com as reivindicações dos modernos estudos sobre o matriarcalismo.
Outro fator importante para entendermos o processo deformativo do patriarcado é sobre a transformação lingüística, porque através da palavra vem à dominação de gênero, através do uso da linguagem vem à opressão, o domínio das emoções. A mudança das línguas originais dos povos africanos e afro-diásporicos afirmou o poder patriarcal.
As traduções do hebraico e do grego têm modificado culturas matriarcais no forçar do poder masculino em sociedades equilibradas, muitos estudiosos e estudiosas questionam as exegeses e hermenêuticas, afirmado a manipulação de tradutores que forçam o androcentrismo em muitos textos do Primeiro e do Segundo Testamento. Urge desconstruir paradigmas androcêntricos e patriarcais e se construir uma exegese e hermenêutica de gênero para entendermos o desejo de Javé para todas e todos que como os rastafáris usam o seu Santo Nome. Não podemos usar o nome de Javé para oprimir as mulheres. Javé não é machista, patriarcalista, androcêntrico e opressor.
Dedication to Rastafari Women
A sociedade matrística, a que precede o surgimento do patriarcado, foi uma sociedade de real equilíbrio entre gêneros, onde as reações eram bem diferentes das nossas. O advento da sociedade patriarcal trouxe o desequilíbrio, a violência, a ganância, a submissão das mulheres.
As nossas ancestrais na África e nos diversos momentos migratórios para povoar o planeta, também, no seqüestro forçado para a escravidão na América, demonstraram que a mulher preta tem sido a nossa força de resistência. A conseqüente tentativa de reelaboração do viver africano adaptado a realidade cruel da escravidão e racismo, fez-nos os homens pretos a copiar relações de subserviência feminina não encontrada nas mais antigas comunidades africanas, mas, desenvolvidas primeiramente nos climas gelados onde sociedades também matriarcais, se transformaram em sociedades patriarcais, opressivas e escravagistas e desenvolveram práticas que não devem servir de exemplos em uma vida afro-diásporica e de repatriação mental.
O movimento rastafári tem-se modificado substancialmente desde as suas origens e hoje há grupos que fazem interpretação do movimento conforme o seu bem querer: na negação da mulher preta defendendo o casamento inter-racial com mulheres brancas, segundo eles não mais representam a Babilônia.
Lutan Fyah - Woman of Principle - Original!
Na Jamaica diversos questionamentos surgem sobre a opressão das mulheres, como uma continuidade do modelo patriarcal escravagista e cristão europeu, o qual oprimiu e estabeleceu relações econômicas e sociais as quais foram incorporadas no relacionamento de gênero e influenciou no tratamento dados por homens as mulheres pretas na sociedade e conseguintemente no rastafarianismo. Estruturou-se um poder masculino com regras opressivas baseado na dependência psicológica, deformando o modelo familiar, econômico e religioso ancestral, a contraponto do cristianismo de matriz africano e das religiões africanas.
As irmãs e rainhas são grandes mantenedoras das famílias comercializando produtos, como cestas, tapetes, malhas, vassouras, etc, e muitas mulheres são analfabetas, proibidas de usarem perfumes porque “atrairão” amantes e paradoxalmente os homens praticam sexo livremente com quantas parceiras desejarem, entre outros comportamentos questionáveis. Tenho observado que homens tem se aproveitado do movimento rastafári e usando os dreads, para o turismo sexual com as mulheres brancas representantes de modelos econômicos opressivos; realmente um paradoxo no movimento original.
Conheço homens seguidores do rastafarianismo que não concordam com essas posturas e como dizem a Babilônia é mentirosa. E afirmo que a mulher sendo tratada como uma posse do homem para o seu bel-prazer e satisfação das suas vontades é anti-africanismo, decididamente é a cópia do modelo branco excludente, o qual o rastafarinismo se propôs a combater.
Quando estudamos o rastafarianismo não podemos deixar de citar a grande Rita Marley que pelo seu exemplo de mulher preta, tem inspirado novas gerações de mulheres a questionar o poder masculino, entre as suas citações:
Deixo-vos palavras de pessoas pretas para a vossa meditação:
Gênesis 1:27 - Criou, pois, Deus a humanidade à sua imagem; à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou.
Peter Tosh
Bob Marley - No Woman No Cry (Live)