sexta-feira, 24 de maio de 2013

MANGA



   









 

Por Ferreira Sigobine Vaneza, 25 anos, mora na Guiana Francesa e é franco-brasileira.
Licenciada na Universidade Rennes2,  Participou da rádio Clubebrasil, no grupo Lusophones (grupo de estudantes de Rennes2), participou do jornal virtual brasil-info e é uma grande ativista da causa afro-brasileira via facebook.
Facebook: Nega Vanessa


Na tarde de sábado, depois da missa, as famílias se reuniam para comemorar o dia de folga. Manga e sua família iam comer na casa da sua vovó Mecedes. Vó Mecedes era bem neguinha de cabeça branca. Fazia um bolo de milho tão gostoso! Que todo mundo que passava perto de casa parava para pedir um pouco. Era a especialidade da minha vó. Os vizinhos faziam fila para pegar sua parte. Ela fazia questão de deixar todo mundo comer um pouco. Eu sempre admirei muito essa maneira bondosa da minha vó. Apesar de não compreender muita coisa.

Minha mãe não gostava da vó Mecedes, dizia que era uma macumbeira, não era bom ficar muito tempo perto dessa velha negra. Eu me perguntava por que minha mãe me falava isso, já que todos nós éramos negros. Na verdade não sabia o peso dessa palavra ainda. Na sexta-feira na minha casa era sempre a mesma briga:

-Minha mãe bradava aos quatros cantos que depois da missa não ia comer comida de macumbeira, isso não era coisa de Cristo, José! Faça o que tu queres, mas eu não irei.

Meu pai sempre respondia a mesma coisa:

-Mulê, não faça uma coisa dessas, mãe está velha. Já não posso acabar com essa tradição, todos nós temos que ir vê-la. Ela não nos obriga a seguir sua crença, mas ela precisa da presença dos filhos dela.

Mãe ficava emburrada o dia todo. Quando chegava a hora do jantar, era mãe para um lado e pai para o outro. Até que mãe aceitava e ia conversar com ele mais uma vez:

- Olhe homem, eu andei falando com o padre Manuel. Ele me disse que não era bom deixar as meninas irem à casa da tua mãe.

Mulê, tu estas... O que é isso? Eu não vou trocar minha mãe por essas cambadas de loucos. Minha mãe é mulher direita.

E Minha mãe disse:

- José, tu sabes o que é feito naquela casa, ontem de ontem o padre me falou que teve um outro ritual. Isso deve ser coisa do Demo. Oh meu Deus! Será que tu eres cego?

O meu pai respondeu:

- Não ponha Deus nesta conversa, olhe eu não parto para te rebentar porque não quero que nossas filhas vêem uma coisa dessas. Mas tu não esperes muito, pois não vou esquecer isto. Não me fale desse padre. Desde que tu freqüentas essa igreja, tu andas metendo coisas nas nossas cabeças. Antes tu não pensavas assim, mas porque tu viste a vizinha ir para essa igreja agora queres obrigar nossos todos irmos junto contigo. Isso não se faz e não se fala. Minha mãe não é...., depois minhas filhas vão pensar o quê?

Respondeu minha mãe:

- Enfim... Já estou farta de brigar contigo, mas tu não me falas nunca nada. Isso não se faz também. Deus não gosta de ritual ou sangue, Deus é amor e paz. Na igreja nós rezamos ao Senhor pai... Eu irei! Mas saiba que espero que tu venhas também comigo. Vou fazer esse esforço mais uma vez.

Nessa altura, eu já estava na minha cama. Sei que mãe fica muito nervosa e sempre procurar nos bater nestas horas. Minhas irmãs Fátima e Maria, ficam sempre de olhos fechados. Fazem como se estão dormindo. Quando mãe vem para ver se já estamos na cama, ficamos ainda mais nervosas. Ela se põe em pé, no pé da porta, com a lamparinha na mão direita. Fica nós olhando durante horas e já vi chorar muitas vezes. Como fico no canto do quarto, posso levantar o lençol para ver essas cenas.

No sábado o dia é corrido. Mãe tem que passar nossas roupas, pai cuida de montar a carroça, eu dou banho nas minhas irmãs e penteio elas. 

- Isto é trabalho para irmã maior, assim diz a mãe. 

Minhas irmãs não gostam muito, pois tenho que pentear os cabelos e fazer tranças. Isso é sempre motivo de choro e eu fico com o coração na mão. Porém se não faço rápido, já sei o que pode acontecer comigo: fico em casa e não irei ver minha vó. Passo a semana toda esperando o dia em ir comer o bolo de milho e rever meus primos. E também adoro ouvir as histórias que minha vó conta debaixo do pé de manga.

Foi daí que veio o meu apelido: Manga, pois desde pequena sempre gostei em ir para casa da vó. Quando chegava a casa ia correndo para o pé de manga. Os meus primos começaram a me chamar Manga.

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