sábado, 24 de novembro de 2007

A REVOLTA DE ZAMBA BOUKMAN: O OGAN QUILOMBOLA

Por Walter Passos. Teólogo, Historiador, Pan-africanista, Afrocentrista e Presidente CNNC – Conselho Nacional de Negras e Negros Cristãos. Pseudônimo: Kefing Foluke. E-mail: kefingfoluke@hotmail.com

A Revolução Francesa de 1789 tornou-se marco para a divisão Histórica eurocêntrica e início da História Contemporânea, assim dividida pelos brancos europeus. Obrigatoriamente é ensinada nas escolas brasileiras com os seus ideais simbólicos: Liberdade, Fraternidade e igualdade, sendo a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1793), base fundamental das Constituições Ocidentais, que tem como princípio basilar o seu artigo III: “Todos os homens são iguais por natureza e diante da lei”.
Incrível que pareça, alguns intelectuais pretos gostam de citar a França, suas revoluções, ideais e seus teóricos como demonstração de intelectualidade, mas, caso seja perguntado o nome do bisavô e da bisavó poucos irão responder, apesar de serem doutores e doutoras nos conhecimentos brancos. Estes tentam usar tais conceitos para entender os africanos na África e na diáspora, dificilmente acreditam no panafricanismo e comumente são meros repetidores dos discursos com citações dos antropólogos e sociólogos franceses. Eu os considero doutores da Academia eurocêntrica.
Entre os acadêmicos franceses cito como exemplo: Émile Durkheim (1858-1917), pai da sociologia branca, cujos livros são obrigatoriamente usados em todas as Universidades: Da divisão social do trabalho (1893); Regras do método sociológico (1895); O suicídio (1897); As formas elementares de vida religiosa (1912), entre outros. Também Pierre Bourdieu(1930-2002), teórico que difundiu no mundo atual, dentro da Antropologia e Sociologia, o pensamento branco francês nas diversas áres como educação, cultura, literatura, arte, mídia, lingüística e política. Suas obras mais conhecida são: Poder Simbolico e Contrafogos entre outras. Outro academico francês bastante citado é Michel Foucault(1926-1984) que discute as relações de poder de acordo com o pensamento branco, tendo suas principais obras: Vigiar e Punir (1975) e A História da Sexualidade (1976). Além de outros academicos que se tornaram obrigatórios para os estudos das chamadas Ciências Humanas.
Primaz é detalhar que a França foi um país colonialista-imperialista que invandiu diversas partes do planeta, dominou extensos territórios na Ásia, África, América e Oceania, ainda mantendo “protetorados" em algumas regiões do mundo e atualmente discrimina os africanos no território francês.
Abaixo segue uma lista dos Países Africanos que lutaram contra a dominação francesa e conseguiram a liberdade:
1. Marrocos (2 de Março de 1956)
2. Tunísia (20 de Março de 1956)
3. Guiné (2 de Outubro de 1958)
4. Camarões (1 de Janeiro de 1960)
5. Togo (27 de Abril de 1960)
6. Senegal (20 de Junho de 1960)
7. Madagáscar (26 de Junho de 1960)
8. Benin (1 de Agosto de 1960)
9. Níger (3 de Agosto de 1960)
10. Burkina Faso (5 de Agosto de 1960)
11. Costa do Marfim (7 de Agosto de 1960)
12. Chade (11 de Agosto de 1960)
13. Congo (15 de Agosto de 1960)
14. Gabão (17 de Agosto 1960)
15. Mali (22 de Setembro de 1960)
16. Mauritânia (28 de Novembro de 1960)
17. Argélia (5 de julho de 1962)
18. Comores (6 de Julho de 1975)
19. Djibouti (27 de Junho de 1977)
A Liberdade, Igualdade e Fraternidade foram destinadas a burguesia francesa, necessário se faz lembrar que enquanto promovida era a Revolução Francesa, com seus ideais e a Declaração do Direito dos Homens e do Cidadão, a França oprimia o Haiti com a escravidão, sendo que tais benefices não foram estendidas aos pretos escravizados que tiveram que lutar durante muito tempo para se livrar do escravagismo francês.
A dominação européia tornou-se tão opressiva na Ilha de São Domingo ou Hispanhola, resultando na divisão territorial e política em dois países: um foi Colônia Francesa (Haiti) e outro Colônia Espanhola (Républica Dominicana). Interessante é notar que esta divisão também ocorreu dentro da população preta na ilha. Quando estive na Cidade de Cólon no Panamá, no ano de 1988, discutindo Teologia Negra, em meio a conversas com uma Dominicana, esta negou minha pretitude, dizendo que ela e eu não eramos pretos, e sim ‘Tigrenhos’, e preto era o haitiano presente no encontro. Também saliento da maioria populacional dos dois países serem descendentes de africanos, o racismo atingiu a mentalidade dos dominicanos de tamanha forma que os haitianos são discriminados racialmente e inferiorizados na Républica Dominicana, por lei não se registram crianças nascidas naquele país, porque são consideradas pretas.
E nesse sentido, deixando a influencia histórica eurocêntrica, seus defensores e combatendo essa ideologia racista, vamos nesse Novembro Negro homenagear um africano escravizado pelos francesaes no Haiti: Zampa Boukman, de origem Bantu.
Boukman foi precedido por outros como: Padrejean em 1676 e François Mackandal em 1757. Padrejean liderou uma rebelião em Port de Paix, ao norte de São Domingo, matando o branco que o escravizara, reunindo cerca de 30 escravizados nessa insurreição. Sendo perseguido por Piratas e morto juntamente com os demais quilombolas. No caso de Mackandal, assim como milhares de outros, foi levado para São Domingo oriundo da África Ocidental. Ele organizou e planejou durante 12 anos a maior revolta haitiana até então, envenenando os brancos , contudo, após torturarem uma escravizada, foi descoberto e morto. Muitos acreditam que ele não morreu e que até hoje continua habitando em alma a ilha.
Embora Boukman não fosse o primeiro a conduzir uma revolta na Ilha de São Domingo, ele emitiu a faísca que ajudou a inflamar a Revolução Haitiana.
No dia 18 de novembro celebra-se a grande vitória de um dos maiores líderes africanos na diáspora: Dutty Boukman ou Zamba Boukman, nascido na Jamaica e ogan do culto vodu, no Haiti tornou-se um quilombola. Foi um homem de grande estatura, descrito por diversos historiadores como uma escultura africana.
Em 14 de agosto de 1791 ele liderou uma cerimônia religiosa africana de origem bantu onde os escravizados organizaram um grande encontro, no meio da floresta de Bois Caiman. Nesse cerimonial religioso compromissos formam assumidos objetivando colocar em prática um plano definitivo contra o regime escravista. Chovia torrencialmente naquela noite, com relâmpagos cortando os céus. Da platéia surge uma sacerdotisa, enquanto ela realiza o cerimonial, os outros cantavam em coro com seus rostos prostrados ao chão. Boukman e outros guerreiros quilombolas: Georges Biassou, Jeannot Bullet e Jean François Papillon pronunciaram as seguintes palavras:




Bon Dje ki fè la tè. Ki fè soley ki klere nou enro.
Bon Dje ki soulve lanmè.
Ki fè gronde loray.
Bon Dje nou ki gen zorey pou tande.
Ou ki kache nan niaj.
Kap gade nou kote ou ye la.
Ou we tout sa blan fè nou sibi.
Dje blan yo mande krim.
Bon Dje ki nan nou an vle byen fè.
Bon Dje nou an ki si bon, ki si jis, li ordone vanjans.
Se li kap kondui branou pou nou ranpote la viktwa.
Se li kap ba nou asistans.
Nou tout fet pou nou jete potre dje Blan yo ki swaf dlo lan zye.
Koute vwa la libète kap chante lan kè nou.

O bom Deus
que fez o sol
que nos ilumina lá do alto,
que agita o mar
que faz rugir a tempestade,
escutem-me vocês!
O bom Deus está oculto entre as nuvens!
De lá, Ele nos contempla
e vê tudo o que os brancos nos fazem.
O deus dos brancos ordena o crime:
o nosso, ao contrário, solicita boas ações.
Mas nosso Deus, que é tão bom,
nos ordena a vingança.
Ele vai conduzir nossos braços
e nos dará sua assistência.
Destruamos o deus dos brancos
que tem sede de nossas lágrimas!
Escutemos em nós mesmos o chamado da liberdade!

Também nessa cerimônia Boukman previu que Georges Biassou, Jeannot Bullet e Jean François Papillon seriam líderes da revolução. Após o cerimonial todos juraram com a seguinte frase: “Vidas livres ou à morte!”
A cerimônia dirigida por Boukman foi basilar para a organização nas mentes do povo e para posicionar - se como o primeiro fruto de uma revolta que durou vários anos, e, posteriormente, seria realizada em grande parte por Toussaint Louverture. Poucos dias depois, em 21 de agosto, escravizados do Norte iriam matar escravizadores e destruir lavouras.
Em 1794 fora abolida a escravatura em colônias francesas, mas em 1802, Napoleão Bonaparte, impulsionada pelo desejo de restabelecer o império colonial na América, decidiu enviar tropas à ilha recuperar e restaurar escravidão, Toussaint Louverture foi feito prisioneiro, onde morreu alguns meses depois. Apesar dos reforços enviados para a guerra, a França não foi capaz de recuperar a posse da ilha. Dos 70.000 soldados que Napoleão enviou 55.000 morrem de febre amarela e no enfrentamento contra os bravos africanos no Haiti. A independência do Haiti foi proclamada em 1 de Janeiro de 1804.




A religião foi um verdadeiro catalisador para a revolta dos escravizados em São Domingo. A união religiosa do povo preto correspondeu para o sucesso de suas lutas. Seguindo o exemplo dos haitianos devemos nos unir quanto pessoas pretas cristãs para combater o racismo, sua ideologia, seus pensamentos que tanto oprimem nossos irmãos e irmãs pretas nas igrejas ou em qualquer lugar onde estejam.

3 comentários:

Vera Lúcia Schubnell Freire disse...

Excelente artigo.
Que povo sofrido e guerreiro!
Obrigada, Eloisa por mais esta contribuição.
Vera Lúcia Schubnell Freire.

helentry disse...

Também achei excelente, esclarecedor, por isto enviei àqueles que leem A Ilha sob o mar, cujo mérito maior é o de despertar nossa atenção para este recorte da história do Haiti, sobre o qual pouco sabíamos ou nada. Obrigada ao blog pelo artigo.Obrigada a Vera Lúcia Schubnell Freire ter feito aqui o comentario.
Elô

helentry disse...

Obrigada ao Blog por disseminar estes conhecimentos sobre o Haiti.Obrigada a Vera L Schubnell Freire por comentar aqui.Também achei excelente o texto.O Clube de Leitura Icaraí lê no momento A Ilha sob o mar, cujo maior mérito é o de despertar nossa atenção para a história desse povo tão sofrido e lutador.
Muito grata,
Elô

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