Por Walter Passos - Historiador
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Preta muito esforçada concluiu o curso da Escola Normal, estudou letras e era professora bem conceituada. Contraiu matrimônio com um preto advogado. Em Salvador, uma grande parcela de “pretos estudados” se casam ainda com mulheres pretas. A Bahia é conhecida como a terra do Preto Doutor.
Em um final de semana prolongado, Joana, a irmã mais velha de
Florisvaldo que o ajudou a criar, foi visitá-lo.
Preta muito esforçada concluiu o curso da Escola Normal, estudou letras e era professora bem conceituada. Contraiu matrimônio com um preto advogado. Em Salvador, uma grande parcela de “pretos estudados” se casam ainda com mulheres pretas. A Bahia é conhecida como a terra do Preto Doutor.
E uma das filhas de Seu Florisvaldo, com 12 anos de idade,
era a sobrinha preferida e afilhada de Joana. Fora batizada antes de Seu
Florisvaldo entrar na “Lei de Crente”. Florisvaldo homenageou a irmã e
registrou a menina com o nome de Joana.
Ele não gostava das idéias da irmã mais velha, considerava avançadas,
mas, não tinha coragem de dizer-lhe nada. Também, sofreu diversos castigos,
puxões de orelha, e até surra de galho de goiabeira. Coitado apanhou demais!
Muitas pessoas que estão lendo esse relato sabem do que eu
estou falando, irmãs mais velhas... Cala-te boca!
Continuemos o conto.
Joana, ao recordar esses fatos, falava que aquilo era coisa
de mocinha, não faria isso se por acaso tivesse filhos. Na época era normal
educar assim. E disse amorosamente:
- Flor você é ainda o menino do meu coração! Só que muito
orgulhoso, tem que sair dessa favela. Eu te ajudo. Orgulho não leva a nada.
E como de costume levou a menina para a sua casa, esse foi o
motivo principal da visita à casa do seu irmão.
A menina vai toda sorridente para a residência da tia, se livrara
por alguns dias do claustro que era o seu cafofo e odiava o som do
samsofone e também não participaria dos cultos considerados chatos. Ela apreciava a religião dos avós.
Iria à rua conversar
coisas de meninas, e na casa da tia tinha um quarto só para ela, onde havia as
antigas revistas de modinha popular, que ela adorava e também ouvia rádio e
podia dançar.
No café da manhã, ela conversou com a tia e tristemente
relata o castigo sofrido pelos irmãos. O medo que tem do seu Florisvaldo e a
lerdeza da própria mãe. Joana era uma menina muito sagaz apesar da pouca idade.
- Tia, na escola as minhas coleguinhas dizem que o meu cabelo
é de Bombril, eu não gosto e todas as meninas de cabelo ruim, alisam, menos eu,
porque painho não deixa. Diz que o
cabelo é bonito, se Deus fez assim, não tem nada de bulir. Se é bonito por que
as pessoas riem do meu cabelo?
A tia a achou engraçada porque era a pessoa que mais conhecia
seu Florisvaldo, e argumentou:
- Ele sempre teve essa conversa besta! Chorava quando eu
passava vaselina ou brilhantina no cabelo dele.
A minha avó e mainha também não usam alisante, fazem uns
cócos, tranças nagôs, penteados da África, deve ser por isso que ele é
relutante. Quando eu casei e acompanhei o meu marido, melhorei a minha
aparência e o meu cabelo.
-Sua tia vai cuidar disso. Vou passar um ferro quente!
A menina gritou:
- Não! Painho vai me bater!
Aquele menino safado não é louco! Ele tem a cabeça no lugar!
Boi sabe onde arromba a cerca.
Dirigiu-se ao armário do banheiro e retornou com um ferro de
alisar e disse:
- Agora vou fazer uma chapinha de leve, para o seu cabelo
abaixar um pouquinho e você vai poder usá-lo solto. Denguinho da titia!
- Não se preocupe!
Apenas não tome chuva e não molhe o cabelo quando for tomar banho, use
um lenço ou uma touca.
E alisou o cabelo da menina que sentiu alegria e medo. Vocês
sabem o porquê...
Chega o dia do vamos ver! Joana volta à casa de Florisvaldo
com a menina. Ele estava absorto lendo a
bíblia na varanda, e quando vê a irmã e a filha com o cabelo alisado, quase sofreu
um troço. O homem musculoso de quase dois metros de altura pensou bem e meteu a
língua entre os dentes emudecido.
Joana, então fala:
- Nem diga nada! Cale a sua matraca! Eu que alisei e está alisado!
Oxente! Já viu homem ficar se metendo no que a mulher faz no cabelo? Como diz mamãe:
- Flor se assunte!
E deu uma risada gostosa.
Joana sorriu no canto da boca por ver o poder da tia, e o seu
pai calado de cabeça baixa. Consciente e
feliz que não seria “aconselhada” e iria à escola de cabelo alisado.
O caso passou rapidamente, como se nada tivesse acontecido
sorriu com a irmã, falaram de coisas do passado, das surras que tomava.
- O que passou! Passou! Eu não era brincadeira!
Dizia ele.
Ao inicio do entardecer a sua irmã foi embora e Florisvaldo
chamou a filha para conversar:
- Joana, sei que você não é culpada desse pecado!
- Tudo que o Senhor fez é belo. Não devemos mudar a nossa aparência.
Fomos criados a imagem e semelhança do Criador. Não permitirei que se torne uma
Jezabel.
Levantou a levou ao banheiro e a entregou um balde cheio de
água e disse sorridente:
- Lave o cabelo duas vezes e passe esse sabão de coco, porque
o cabelo que Deus nos deu não deve ser violado.
E foi dormir satisfeito. Afinal, ele era o homem da casa.
Leia também:
CABELO DE PRETO – RESISTÊNCIA E AFIRMAÇÃO DA ANCESTRALIDADE -
Parte I
http://cnncba.blogspot.com.br/2012/01/cabelo-de-preto-resistencia-e-afirmacao.html
ACESSE
PRETAS POESIAS:
2 comentários:
Ando lendo estas aventuras. Adorei a proteção do pai, porém desprezo sua atitude como homem. Isto talvez seja porque ele representa aquela geração de homem dominantes onde a mulher não passava de uma escrava, isto é ao meu ver.
Continua.
É! Um paradoxo. O machismo anti-racismo.
Afinal. Qual atitude seria justificável, nesse caso?
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