Walter Passos - Historiador
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Sexta-feira, outono, um dia fresco.
Algumas folhas secas voam ao vento. Outras folhas farfalham revelando segredos.
Outras renascem. O outono é o mês do renascimento e revivências.
No auditório de ar-condicionado, engenheiros, técnicos,
jornalistas e interessados aguardam o início de um workshop sobre tecnologia digital que durará dois dias. A oficina
promete.
Repentinamente ao olhar para as poltronas da fileira atrás, fulano
fica surpreso e sem voz. Borboletas revoam em seu estômago. Um amigo da infância,
que há décadas não sabia notícia, estava sentado e o olhando como estivesse
vendo uma miragem.
Em uma peça pregada pelo destino os dois homens se encontram.
Haverá muito que prosear. Eles irão relembrar nestes dois
dias de seminário, fatos que marcaram as vidas e acreditavam que nunca mais seriam
comentadas.
Já havia passado trinta e oito anos. Nasceram no mesmo ano e
no mesmo mês. Três dias de diferença.
São do signo de Peixes. Atualmente, possuem quarenta e nove anos de
idade. Fora muito tempo sem notícias. De choros e tristezas pela separação
forçada, da amizade violentamente proibida entre os dois meninos.
Nasceram e foram criados em um bairro da chamada periferia,
pobres e pretos. Vizinhos e colegas da mesma classe escolar. Torcedores do Leão
da Barra (Vitória). Entristeciam-se quando o time do coração perdia. Parceiros
em tudo. Mas, havia uma diferença que separava as famílias: a religião. Uma
seguidora de uma igreja renovada (pentecostal) era totalmente contraria a bela
amizade que aflorava dia a dia entre as crianças. A outra criança era de uma
família de religião de matriz africana. Duas famílias pretas separadas pela convicção
religiosa. Como diziam os meus antigos: cada qual no seu cada qual.
Longe das repressões familiares, os amigos se encontravam e
brincavam de bola de gude, pião, babá (futebol), arraia, picula, pega ladrão e
outras brincadeiras de menino que raramente são conhecidas pelas crianças de
hoje.
Júnior, de baixa estatura, gordinho, um dos nossos
personagens era um menino introvertido. Falava pouco, meio caladão e
desconfiado. Sentia-se a vontade quando chegava Carlão, o outro personagem, um
menino precoce, de uma estatura considerável e forte por isso o superlativo:
Carlão. Alegre e de boa conversa.
Quando os outros meninos chamavam Júnior de “Mariquinha” por
ele se recusar a participar de certos tipos de brincadeiras, era o mesmo que procurar
briga com Carlão.
Certo dia, no final de tarde,
Júnior e Carlão se tocaram, fato ocorrido, no esconderijo de uma casa
abandonada no final do beco. Local onde se masturbavam olhando as revistas
proibidas pelos adultos.
Caro ledor e ledora estão a se perguntar:
- O que tem de mais duas crianças amigas se tocarem?
Eu respondo:
- Não foi um toque simples, há mais coisas que terão que ser
reveladas. Esse fato repercutiu violentamente entre as famílias.
Voltando à casa abandonada.
Era época de festas juninas e os meninos da rua resolveram
realizar um casamento caipira. Era uma brincadeira de meninos. Foi sugerido que
Carlão fosse o noivo e Júnior a noiva. Interessante é que eles gostarão da
ideia e aceitaram participar da brincadeira, com padre e tudo. Tinham entre dez
ou onze anos de idade. O casório foi
realizado e houve “lua de mel” entre os meninos. No dizer da meninada: o
troca-troca.
Júnior foi duramente espancado pelo pai, um homem preto,
obeso, crente renovado, que disse que o filho, estava com pomba-gira. Coitado de Juninho. Apanhou de cinturão para
se livrar do “encosto sodomita”, conforme o seu pai. A sua mãe chorava e orava
para que o seu filho não entrasse no caminho da perdição.
Carlão, disse em casa que era mentira. O pai dele disse que
não gostava de conversa fiada e fofoca de vizinhos e se o filho “comeu” ou “deu”,
o problema era dele. E mandou todo mundo para aquele lugar. As pessoas diziam
que ele era de macumba (nome dado erroneamente a praticante de religiões de
matrizes africanas). A mãe de Carlão disse que tinha mais o que fazer.
Na outra semana, depois de ficar trancado em casa, a família
de Júnior muda de residência e nenhum vizinho soube do paradeiro. Inclusive
mudaram de igreja. Disseram que se mudaram para outra cidade.
Trinta e oito se passaram, Carlão olha para trás e vê Júnior. O coração
de Carlão dispara e o de Júnior acelera. Levantam e se abraçam lacrimejando.
- Há quanto tempo, Juninho! Por que nunca mais deu noticias?
- Eu fui proibido, Carlão!
E conversaram. Falaram da vida. Júnior estava casado e com
filhos. Riram porque gostavam de
tecnologia digital. Júnior era oficial de uma grande igreja. Carlão tinha um
cargo importante em sua religião de matriz africana. Continuava solteirão e
disse:
- Ainda vivo de aventuras...
Resolveram se hospedar juntos no mesmo hotel para papearem,
havia tanto tempo afastados.
À noite, no quarto, depois de muita conversa deixaram todos
os conceitos e preconceitos de lado. Resolveram dormir de cochinha e se amaram.
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