quinta-feira, 19 de junho de 2014

ESCRAVIDÃO E REPRODUÇÃO: A MULHER PRETA E O ESTUPRO














 Walter Passos - Historiador
Skype: lindoebano
 Facebook: Walter Passos



É deveras incomodativo para os historiadores pretos que escrevem sobre a escravidão o assunto da reprodução, ao passo que enquanto estamos reconstruindo a nossa própria história nos deparamos com a indústria do estupro.

O homem preto foi utilizado como reprodutor, vitimando a mulher preta. Estupro forçado pelos senhores e senhoras brancos cristãos. Não somente escravizados foram usados para a reprodução, muitos senhores violentavam as escravizadas, entre eles, padres.

 Os nossos ancestrais prisioneiros da mais violenta e genocida guerra da história mundial eram tratados como mercadorias em uma fabrica de bebês para aumentar a riqueza dos donos de escravizados.


A escravidão não havia a conceituação que temos hoje de estupro ou de violações, para o escravizador, os escravizados eram bens móveis sub-humanos, não possuíam direitos e eram considerados coisas, propriedades.

Há diversos relatos na historiografia de casamentos entre escravizados e também de separação de famílias, dependia dos interesses econômicos dos senhores. Possuir escravizados dóceis com laços familiares era interessante como chantagem emocional e controle para fugas e rebeliões. Encontrei comunidades oriundas de senzalas no estado da Bahia, formada exclusivamente por famílias há diversas gerações, quando fiz o primeiro mapeamento sistemático de quilombos baianos e publiquei o livro: Bahia: Terra de Quilombos em 1996.

Alguns fatores podem ser pontuados para a prática da reprodução, sendo bom ressaltar que uma mulher escravizada tinha o valor de dois homens escravizados, porque ela além de exercer os trabalhos nas plantações, minas, serviços de ganho nas cidades, o serviço doméstico, prostituição forçada por senhoras de boas famílias e freiras católicas, gerava mão de obra gratuita e lucro para o escravizador.

Muitos senhores alugavam os escravizados reprodutores e a quantia paga pelo locatário proporcionava um bom lucro:
- Escravizadas que após parirem tinha as suas tetas alugadas.
- Crianças comercializadas, os meninos sendo filhos de reprodutores representava uma boa linhagem.
- Futuros trabalhadores nas casas grandes e fazendas (crias da casa).

Alguns fatores contribuíram para a indústria da reprodução de escravizados:

º Receios de rebelião de escravizados recém-chegados da África;
º Impacto econômico causado por leis que restringiram ou eliminaram a importação de escravizados;
º A necessidade de mão de obra barata para acompanhar o crescimento da agricultura e
º Uma espécie de eugenia que escravizados bem dotados de saúde gerariam crianças saudáveis.

Características do Reprodutor:

O reprodutor, sempre um escravizado forte e de boa saúde era tratado diferentemente da escravaria. Não realizava trabalho pesado, era bem alimentado e dispunha de muitas horas para o descanso. Era o mais cobiçado e valioso.

Há na história afro-americana alguns depoimentos de ex-reprodutores que trazem relatos monstruosos e se consideravam “heróis” e não reconheceram o mal psicológico que fizeram a um numero incontável de mulheres e as crianças geradas do desamor.

Inclusive alguns pretos bobos gostam de afirmar que são descendentes de reprodutores (estupradores). A escravidão gerou pessoas que tiveram a dignidade vilipendiada. Necessário à autocrítica e repulsa aos atos senhoris dos brancos cristãos escravizadores.

Abaixo alguns trechos:

A Sinhá correu a senzala e apartou as escrava que tava no "vicio", nas quadra da lua. Quando a quadra da lua tá certa, a "cria" é garantida. Era um rebanho de umas dez, no ponto pra tirar raça. Não era qualquer fazenda que tinha reprodutor nagô-mina, como eu. No rebanho tinha uma chamada Duca, do lombo bem feito, da anca lisa, de tetas que ia dar bom ubre, de umbigo bem curado, uns quarto que dava gosto. Andei no meio delas, negaceando, mas só via a Duca. Mas ela arrepiou, medrosa. Correu se esconder. Mas reprodutor é bicho paciencioso. Eu sabia que tinha um mês para repassar todas. De longe eu ouvia o choro dela, baixinho pra ninguém ouvir. Se a Sinhá ouvisse, o "bacalhau" comia no lombo. Fui chegando de mansinho, com fala macia, agradando. Eu era reprodutor que sabia tratar suas fêmea. O choro virou cochicho e, no fim da tarde, a Duca, negrinha de quinze pra dezesseis anos, já tava prenha.

http://realidaderevista.blogspot.com.br/2011/05/confissoes-de-um-velho-reprodutor.html

"Os senhores de escravos da região de Biguaçu no século 19 pensavam que, se as escravas fossem engravidadas por escravos desobedientes, os filhos dessa união puxariam a índole do pai, isto é, tornar-se-iam desobedientes. Daí os senhores selecionarem os "machos" de suas escravas. Esses "garanhões" eram chamados de "baguás",

Quem eram os "baguás"? Eram os "negros de classe", como eram chamados na época os escravos obedientes e serviçais. Cada senhor tinha seu(s) escravo(s) preferido(s). Estes escoltavam os senhores em suas andanças. Muitas vezes eram tão fiéis ao patrão que denunciavam os companheiros que tramassem alguma coisa contra o senhor. Por isso, os "negros de classe" gozavam de regalias. Não faziam o trabalho duro da roça como os outros escravos. Muitas vezes, em retribuição, o senhor dava a permissão ao "negro de classe" virar "baguá". Mas para ser "baguá" não bastava ser obediente. Era preciso também ser forte e robusto. Se o escravo fosse fiel e robusto, a promoção para "baguá" era rápida.

Segundo Jaime Coutinho, o ritual do "engravidamento" começava com o senhor mandando as escravas irem para o "mato". Logo depois chamava o "baguá". Dava o nome das escravas e ordenava: "Vá capinar com elas". Entendido o recado, o "baguá" partia para a "missão", embrenhando-se na mata atrás das escravas indicadas pelo senhor.

Não se sabe se as escravas resistiam ou cumpriam a "ordem" sem protestar. O fato é que, meses depois, os escravinhos nasciam. Conforme Coutinho, muitos dos filhos dos "baguás" eram vendidos para capitães de navios vindos da Argentina e Paraguai que paravam em São Miguel para abastecer-se de água, vinda de um aqueduto que avançava vários metros após a praia. As crianças eram trocadas por carne.


Guaraciaba afirmou que deixou mais de 300 filhos: 100 para D. Pedro II e 200 para o Barão de Mauá, fora os que teve com as mulheres da fazenda de seu pai em Campos, ainda adolescente. “Ficou nessa vida de reprodutor deitando com duas, três, quatro mulheres por dia nas senzalas em que o Barão e o Imperador mandavam até os 38 anos, quando a Princesa Izabel aboliu a escravidão...




João Guaraciaba - A História de um ex-escravo reprodutor de Magé


Para a mulher preta o estupro e a separação dos seus filhos se tornaram os maiores pesadelos da escravidão. Atos machistas de homens escravizados que perderam a respeitabilidade por suas irmãs de infortúnio. O estuprador sempre é estuprador.

Na minha concepção, a violação da mulher preta pelo homem branco ou pelo reprodutor preto foi uma violação que deve ser censurada, condenada e relembrada pela história.


Muitos dos ledores e ledoras desse artigo que não podem responder nesse exato momento, sem perguntar ou pesquisar os nomes dos tataravôs maternos e paternos, se questionam: será que eu sou descendente de um reprodutor?



ACESSE PRETAS POESIAS:

17 comentários:

Anônimo disse...

Realmente triste. Estou perguntando:
_ Será eu descendente destes monstros?

Irana Pacheco disse...

Excelente reflexão. Não estudamos estes detalhes da vida privada da escravidão nas escolas. Mas é muito bom observar que muitas práticas se repetem até hoje, principalmente com as jovens. Precisamos levar estes temas para as salas de aula para refletirmos sobre o passado e as consequências disso para o futuro. Ótimo texto e pesquisa.

Déia Poeta disse...

Realmente, quem somos?

Déia Poeta disse...

Realmente, quem somos?

Unknown disse...

Estou impressionado e impactado com que li. Abraços, Walter. Rubens Araújo

Unknown disse...

Estou impressionado e impactado com que li. Abraços, Walter. Rubens Araújo

Rosangela Gracilina disse...

Muito triste, chega a ser revoltante, porque além do branco ser monstro, ainda o preto também, em recompensa de regalias, causar a dor, choro de tantas de suas conterrâneas. Na época as pretas eram forçadas a isso e hoje levamos a fama de prostituta.

autor Jorge Fernandes disse...

Uma mancha na história da humanidade,uma dívida que nunca vai poder ser paga.Por isso é que o racismo tem que ser combatido de forma severa.

Unknown disse...

Obrigada por esse estudo..
Vou ser sincera hoje ainda impera essa consciencia pois a maioria dos casos de abusos sexuais acontecem com meninas negras...

Unknown disse...

Mulhers vitimadas e homens agressores e vítimas tambem numa agressao Sem precedentes.

Anônimo disse...

Nossa, que lindo texto... Só falta aprender a diferença entre particípio e substantivo

Unknown disse...

Barão de Mauá é tido como abolicionista. Ele tinha escravos? ??

Fernando disse...

E por isso q eu sou moreno e só fico com mulheres brancas .. De uma forma eu to tirando a forra .. Kkk .. Otimo texto

Anônimo disse...

Nossa, fui comentar aqui e veio uma mensagem de vírus! Vá se fuder seu lixo!
A respeito do texto... triste demais.

Unknown disse...

Muito triste isso.

Unknown disse...

Eu li o texto e absorvi muita informação que infelizmente nunca nos é ensinado na escola. Mas amigos temos e devemos retirar o nome de estrupadores ou monstro nos negros reprodutores. Sabem porque? porque o monstro/estrupador era o barão BRANCO porque se o negro reproutor não agisse da maneira que lhe foi orientado ele não valeria nem -0 e automaticamente seria dispensado de suas funções e acho que todos aqui estamos lucidos do que poderia lhe acontecer certo?

O monstro e estrupador era o idealizador o BRANCO sem dó

Unknown disse...

Me enoja pensar nas maldades cometidas na época da escravidão devemos muito aos negros mas a sociedade ainda os coloca à margem

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