Por Malachiyah Ben Ysrayl - Historiador e Hebreu-Israelita
E-mail: walterpassos21@yahoo.com.br
Skype: lindoebano
Facebook: Walter Passos
Ouvi diversas fábulas em minha infância contada pelos mais antigos, principalmente à noite, e algumas ainda guardo na memória. São fábulas cujos personagens eram animais personificados, sempre contendo conteúdo valorativo moral.
Hoje, compreendo terem sido relatos das experiências de
milhares de anos que atravessaram o Oceano Atlântico com os ancestrais
africanos, o que pode ser comprovado pelas inúmeras referências ao longo da
história, especialmente nos contos da lebre.
As referências à lebre
são abundantes na mitologia e literatura de Kemete (Egito). O deus Osíris,
marido de Ísis, foi chamado de Un-Nefer, e retratado com a cabeça de uma lebre.
Como Un-Nefer, A lebre também teve um poder simbólico em Kemete (Egito) desde
os tempos imemoriais o deus Osíris com a cabeça de lebre anualmente recebia sacrifícios para dar vida ao Rio Nilo, concomitantemente possibilitar a
sobrevivência da sociedade kemetiana.
Deusa Wenet |
A deusa lebre, guardiã do outro mundo, citada no livro dos mortos. |
A lebre também aparece como um sinal hieroglífico. Este
hieróglifo que é chamado de "Wn" simboliza a essência da própria
vida, e retrata uma lebre sobre uma onda única de água, a própria substância de
que a vida surgiu das águas primordiais de Nun em antigos mitos de criação de
Kemete.
A lebre possui na África um simbolismo de renascimento. Conta-se
em uma mitologia que a Lua queria dar aos humanos a imortalidade e enviou a
lebre como mensageira:
- Assim como a Lua morre e ressuscita assim será você. Disse
a Lua à lebre.
Mas confundido a mensagem, a Lebre divulgou disse:
- Assim como a lua morre e perece, assim serão vocês.
As pessoas da Terra acreditaram nessas palavras e tornaram-se
mortais.
Quando a Lua ouviu o que a lebre havia feito, ela ficou tão irritada
que bateu na Lebre com uma vara e dividiu o seu nariz. Mas como elas continuam
a viverem juntas, têm reparado a sua amizade.
As civilizações da África Ocidental, Central e Austral possuem
tradições narrativas da lebre que por sua esperteza e astucia na sobrevivência
contra os predadores ensinam belíssimas histórias, sendo usadas didaticamente
para o aprendizado. No ocidente se estes
ensinamentos ancestres africanos são conhecidos por fábulas onde se apresenta a
lebre como um animal malandro.
Com inteligência, a lebre consegue sobreviver à hiena nos contos
da África ocidental. Na Zâmbia é conhecida como Kalulu, enfrenta e engana o
Leão. Na Nigéria é considerada pela sua
esperteza como um doutor.
Com a invasão da África e as guerras realizadas pelos
europeus, os prisioneiros das guerras foram escravizados e sequestrados para as
Américas e com eles vieram os contos didáticos das lebres. Estes contos das lebres foram repassados
através da tradição oral e usados como métodos de resistência aos escravizadores
(predadores leões e hienas) que são representados na América pela raposa.
Os autores eurocentristas quando estudaram esses simbolismos
de resistência africana na escravidão denominam a lebre de malandro, quando
deveriam chamá-la de sabia, os quais constataram nas histórias do tio Remus.
Tio Remus foi uma série de histórias infantis escritas por Joel Chandler
Harris, jornalista branco de ascendência irlandesa, que ouviu esses contos por
escravizados quando viveu em uma fazenda em Plantation Turnwold. Harris passou
centenas de horas na senzala, ele era menos autoconsciente e percebia a sua
origem humilde como ilegítimo filho de cabeça vermelha de um imigrante irlandês,
o que o ajudou a promover uma ligação íntima com os escravizados.
Ele absorveu as histórias,
a linguagem, e inflexões de pessoas como o tio George Terrell, a velha Harbert e
a tia Crissy. Os contos afro-americano
de animais que compartilhavam, mais tarde, se tornaram a base e a inspiração
para Harris sobre os contos de Tio Remus. George Terrell e Old Harbert, em
particular, se tornaram modelos para Tio Remus, bem como modelos para Harris.
A primeira
história foi publicada em 20 de julho de 1879 e o primeiro livro em novembro de
1880. Até os dias atuais os contos do Tio Remus já foram traduzidos para mais
de 40 idiomas.
As lições aprendidas
da personagem fictícia Tio Remus
demonstram que o mais fraco (escravizados pretos) puderam, muitas vezes,
triunfar sobre uma força física superior (senhores brancos), utilizando seu
intelecto. Outro fator importante no trabalho foi à manutenção nas histórias
dos falares dos pretos do sul dos Estados Unidos da América.
No período da luta dos Direitos Civis alguns setores
criticaram a personagem tio Remus como um escrito racista, não sendo a
totalidade dos pretos americanos.
A Disney produziu “Canção
do Sul”, em 1946, com Tio Remus e seus amigos animais animados. A produção
contou com atores mirins em um enredo e definição favorável ao Tio Remus
entrelaçamento seus fios sobre a lebre e a Raposa. Foi relançado novamente uma
década depois.
O filme recebeu alguma
reação negativa do público nos Estados Unidos, mas não tanto quanto poderia.
Isso porque o filme nunca foi lançado em sua totalidade. Os executivos da
Disney foram sábios o suficiente para prever algum conteúdo do filme pode ser
visto como politicamente incorreto e racista.
A Canção do
Sul (Dublado) Filme Completo
Olá! Faça parte da nossa rede de blogs diaspóricos e africanos: http://blogsafrodiasporicoseafricanos.blogspot.com.br/
ResponderExcluirSe fizermos um paralelo entre a historia da escravidão nos EUA e no Brasil veremos que a resistência contra a escravidão no nosso país foi muito mais aguerrida do que nos EUA.Talvez somos o único povo afro a ter criado uma arte marcial tão bem eficiente como a capoeira que rivaliza com outras lutas,nas fugas formávamos os temíveis quilombos que até tinham uma certa estrutura militar e podíamos viver nossa identidade cultural enquanto nos EUA os negros fugitivos iam pro Norte onde não havia escravidão, mas tinham que viver sob a "tutela" dos brancos.Tivemos a revolta dos Malês em Salvador em 1835 e muitas outras.Nunca ouvi falar de revoltas de escravos no EUA. No período escravocrata no nosso país tivemos grandes personalidades negras como o imortal Zumbi rei de Palmares,Henrique Dias um dos lideres do exercito Luso-Brasileiro que expulsou os holandeses,Preto Cosme um dos lideres da revolta da Balaiada no Maranhão,José do Patrocínio jornalista e abolicionista,Luis Gama advogado que libertou mais de 500 escravos por via judicial,André Rebouças engenheiro e abolicionista e muitos outros. Nos EUA só me lembro do Kuta Kinte!Mas parece que na era contemporânea nós paramos de lutar e ficamos acomodados e os negros americanos e que lutaram ferozmente pelo seus direitos.Mesmo tendo um passado glorioso de lutas e resistência,ainda temos vergonha de sermos negros,coisa que os afro-americanos não tem!
ResponderExcluir