sábado, 10 de dezembro de 2011

JEZABEL SEDUTORA E PECADORA – ESTEREÓTIPOS DA MULHER PRETA ESCRAVIZADA



Por Walter Passos

Historiador 
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Os cristãos evangélicos sempre citam o exemplo de Jezabel quando censuram as mulheres. Quem foi Jezabel? Uma mulher da história dos hebreus, princesa fenícia, filha do rei Etbaal, e esposa do rei Acabe de Israel cerca de 870-853 a.C. (1Rs 16.29-31; 18.19). Jezabel era alta sacerdotisa da deusa Astarte, esposa do deus Baal. Conhecida pela prática de diversos pecados conforme as leis dos israelitas. O Torá proíbe o casamento de hebreus com pessoas estrangeiras e Acabe desobedeceu a lei. Na tradição cristã, uma comparação com Jezabel indica uma pessoa pagã, apóstata, que usa a manipulação e a sedução para enganar os santos de Deus (homens cristãos) em pecados de imoralidade, idolatria e sexualidade, associada na escravidão as mulheres pretas pelos escravizadores cristãos.



A idéia dos europeus de que a mulher preta é lascívia antecede a escravidão. Nos contatos com civilizações africanas não compreenderam alguns aspectos culturais, como a prática da poligamia em algumas sociedades, alguns rituais e danças de mulheres seminuas foram interpretadas como decadência moral e lascividade, sob os olhares daqueles que se consideravam superiores racialmente. As mulheres africanas são relatadas por eles como de fogo e quentes, que criam estratégias para conseguir amantes. William Bosman descreveu as mulheres pretas na Costa da Guiné como "fogo" e "quente" e "muito mais quente do que os homens."

Na dominação do território africano por potências européias as mulheres africanas foram estigmatizadas de tentadoras e aceitavam felizes as relações afetivas e estereotipadas como lascivas. Mentira dos escritores europeus.


O encontro das culturas européias com as africanas foi de não integração, crises e censuras, demonização e uso sexual forçado do corpo da mulher africana, gerando tanto na áfrica como nas América, descendentes do estupro: os mulatos.

A mulher preta nos USA no período escravocrata teve uma concepção de luxuria e promiscuidade, o que continuou após a escravidão. No Brasil, o epíteto de Jezabel não entrou em voga por causa da colonização católica, apesar da concepção de luxuria e promiscuidade tenha se atribuído as mulheres escravizadas. Gilberto Freire as acusa de prostituição doméstica, feitiçaria e magia sexual e Jorge Amado as descreve em seus romances como possuidoras de ardentes desejos sexuais. No geral a mulher preta sempre foi adjetivada de uma série de estereótipos negativos, como sendo lasciva, volúvel, mulher à toa, prostituta.

Jezabel é a menina má, a preta sedutora que atrai os homens brancos para a cama, desestruturando as boas famílias puritanas. Para os escravizadores: Jezabel "é a fêmea promíscua com um apetite sexual insaciável."

Em contraponto a imagem da mulher branca é: mansidão, auto-respeito, autocontrole, modéstia e pureza sexual. Isso criou em muitos países que tiveram a escravidão o desejo do homem preto de se relacionar com a mulher pura, a mulher branca.

Muitos relatos da escravidão, as mulheres puras usavam os corpos das mulheres consideradas impuras para a prostituição, inclusive casos aberrantes de freiras que viviam do dinheiro da venda da carne preta no mercado do sexo. A ganância de Jezabel e sua promiscuidade na era das mulheres escravizadas. Vítima de seguidos estupros a africana no mundo escravizado era um objeto de uso descartável e procriadora de crianças, já no ventre escravizadas.

É de mister importância ressaltar que a Jezabel também foi retratada como a mulata nos USA, a mulher misturada tendo alguns traços europeus, descendente das relações do homem branco com a escravizada. No Brasil, o ideário da mulata nas musicas e no samba incentivam a idéia, da preta gostosa e detentora de encantos sexuais inigualáveis. Temos que atentar que em toda a América escravagista a mulher preta, denominada de diversos epítetos foi e é considerada a tentadora e pecadora. A destruidora de lares na visão das mulheres brancas.

No documentário abaixo, relata-se o trabalho de profissionais da dança, mas, o título reporta a tal famosa sensualidade das mulatas.

TRAILER DO DOCUMENTÁRIO "MULATAS! UM TUFÃO NOS QUADRIS"



NEY MATOGROSSO - DA COR DO PECADO



Conforme o Dr. David Pilgrim, a mulher preta possuidora de dotes sexuais irresistíveis, foi também estigmatizada nos USA como feia, aberração, viciada em bebidas alcoólicas, mas sempre indicando que esta pronta e desejosa para atos de libertinagem. Uma mulher digna de pena dos homens brancos e bons cristãos.

As meninas pretas não ficaram livres do ideário de sexualidade do escravizador, em toda a América, casos hoje que seriam considerados atos de pedofolia foram praticados. No Brasil, diversas meninas serviram de iniciação a prática sexual de senhores e seus filhos. Nos USA a propaganda da precoce sexualidade das meninas pretas foi divulgada, vede a caricatura: o olhar, o sorriso e a barriga, sugerem uma gravidez.
Outras caricaturas foram feitas das mulheres pretas de Jezabel encontradas no Museu Jim Crown:

Na imagem abaixo notamos que cinzeiros foram produzidos para demonstrar a sensualidade exagerada das mulheres pretas. No Brasil, o hábito de “disputar a nega” em jogos de dominó, dado, baralho e outros, relembram que as mulheres pretas serviram como satisfação sexual desenfreada dos senhores de escravizados.

O estereotipo de Jezabel para as mulheres escravizadas e a continuidade no período pós-abolição demonstra a grande falácia de uma sociedade hipócrita e racista, que violentou as culturas africanas, dividiu as famílias, se apropriou da mão -de- obra, demonizou os conceitos filosóficos e religiosos. A sociedade escravocrata na América foi a incorporação de Jezabel pelos seus pecados e falta de respeito a vida.



O grupo religioso Israel United in Christ postou um vídeo recentemente sobre a idéia que eles possuem de Jezabel na atualidade, postado abaixo como curiosidade.

THE CHARACTERISTICS OF A JEZEBEL




Notamos que a prostituição atribuída às mulheres pretas na África e nas Américas foi uma imposição hipócrita branca e masculina. As mulheres pretas vêem e interpretam a história de outras formas, são outras histórias, e sabem que os homens brancos escravizadores usaram os corpos das mulheres nas mais horrendas violações da história humana. As mulheres pretas devem reescrever a história da África e da escravidão com o olhar feminino.

Os homens pretos repetem a falácia do invasor e escravizador europeu quando interpretam a história com olhares e conceitos de poder masculino e este olhar interpretativo está ocorrendo na África e nas Américas. Nos USA, as músicas do rap retratam as mulheres pretas como vadias, e algumas delas compartilham dessa ideologia, como se vê no clipe musical abaixo.

50 CENT - DISCO INFERNO



É uma continuidade dentro da comunidade de falta de respeito e do ideário de Jezabel criada pelo escravizador.

No Brasil, não apenas alguns cantores de rap, mas grupos de pagode e funk reforçam a criação do invasor europeu na África, a continuidade do senhor de escravizados e atualmente a sociedade racista de falta de respeito, as nossas avós, mães, tias, irmãs, filhas e companheiras.

Na Bahia, a deputada Maria Maia (PT/BA) propôs um projeto de lei (PL 9.203/2011) que trata da “proibição do uso de recursos públicos para contratação de artistas que em suas músicas, danças ou coreografias desvalorizem, incentivem a violência ou exponham as mulheres a situação de constrangimento.” O referido projeto está em discussão na Comissão de Constituição e Justiça da Assembléia Legislativa e já recebeu o apoio de outras deputadas. Ocorre que grupos de pagode estão descrentes na aprovação da lei, tendo em vista que, segundo eles, se trata da “cultura popular”, tal cultura se conceitua como o desrespeito e a prostituição - chamada de putaria – das mulheres pretas. Abaixo, confira a resposta de dois famosos grupos de pagado da Bahia ao mencionado projeto de lei.

O TROCO-BLACK STYLE FIEL A PUTARIA [NOVA]




Os homens pretos precisam refletir sobre essa repetição ideológica. A mulher como objeto, como carne que pode ser violada, desrespeitada está proporcionando a violência não só ideológica, mas espiritual e física. Um número incontável de mulheres são agredidas e assassinadas por homens pretos a todo o momento. Jezabel foi uma mulher de extremo poder e de manipulação, poder este que nunca passou pela mulher na escravidão e pós-abolição, porque o poder da mulher e do homem preto aflorava quando resistia e mantinha as suas tradições. Atualmente, feministas vêem Jezabel como uma feminista que lutou contra o poder masculino em Israel. A mulher preta foi o maior suporte de resistência do nosso povo. A mulher preta deve continuar reagindo às ideologias que não só as afetam, mas a todo o povo preto.
Shalom!

PRETAS POESIAS

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